(a propósito dos incêndios que devastaram esta região, tal como os que devastaram a Grécia há precisamente dez anos).
Porquê a raiva, e o castigo de Zeus?
Porquê queimar da Terra o seu melhor?
Não devolveu, Prometeu, o fogo aos céus?
Não é Zeus, do Olimpo, seu senhor?
Porquê a raiva, em Junho, incontida?
Porquê as chamas, de Hefesto, um oceano?
Não basta a seiva, será preciso a vida,
Para resgatar da morte o ser humano?
Não há palavras para descrever o que se passou no sábado, na região de Pedrógão-Castanheira-Figueiró, e o que se continua a passar no resto do país. Este ano como noutros, desde que o país é país, dependendo bastante mais da brandura ou agressividade do tempo do que da capacidade dos humanos de fazerem face aos desígnios cósmicos, por muito que se julguem omnipotentes ou queiram usar catástrofes como armas de arremesso político.
Já ouvi e li muita coisa. Muitos dislates, muitos “treinadores de bancada” que, confortavelmente sentados nas redações dos jornais ou das televisões, com o ar condicionado ligado e entre duas cervejas bem fresquinhas, comentam os acontecimentos, criticam tudo e todos, pedem demissões deste e daquele, e dizem, como o outro “eu bem avisei!”, quais pitonisas do oráculo de Delfos… mas… quanto a medidas práticas, zero. Quanto a sugestões? Zero. Quanto a exercício de cidadania, realizando por exemplo amplas reuniões de debate nos meios de comunicação a que pertencem, zero.
Conheço a zona atingida, porque tenho familiares diretos aí residentes. Estivemos, aliás, até altas horas da madrugada sem saber se estavam vivos ou não – as comunicações estavam cortadas. Sabemos de pessoas que perderam tudo e um bombeiro meu primo esteve nos cuidados intensivos, acabando por falecer ontem à tarde – há duas semanas estava ele com os meus filhos a montarem uma baliza de futebol no aniversário de um primo nosso.
Não sobra mais nada para dizer a não ser que a Natureza, de quando em quando, “faz-se ouvir” e bem podem os especialistas do costume vir atirar mais gasolina para a fogueira, culpar o Estado e os civis, como se nos EUA, Austrália, Canadá, Itália, Espanha e tantos outros países não houvesse incêndios devastadores – afinal, somos nós, portugueses, que somos assim tão maus? Claro que há casos de fogo posto, de interesses mais do que conhecidos, de incúria, de falta de conservação das matas públicas e privadas, mas só quem não conhece o país, a zona centro, a floresta, os vales e as convecções dos ventos, as mudanças térmicas que provocam uns quase-ciclones, os raios das trovoadas secas é que pode falar de cátedra exigindo “demissões”: pois eu gostei de ver a atitude dos responsáveis políticos deste país, no local, a confortarem as populações, a tentarem resolver o que, de imediato, há a resolver, e não a falarem de soluções teóricas ou a destilarem o seu criticismo que pode vender jornais, mas que não ajuda em nada quem perdeu tudo, incluindo até a própria vida.
Neste momento tudo o que possa ser dito de arrogância e pesporrência, reportagens a usar corpos como pano de fundo “em direto de” é no mínimo repugnante. Haja decoro, haja respeito, haja dignidade.
O rescaldo ficará para depois… e quero ver se essas iluminadas cabeças terão, na altura própria, alguma coisa de jeito a dizer… o “4º poder”, por vezes, julga estar mais próximo de Deus do que está… oxalá a cera das suas asas de Ícaro não derretam…
Um abraço para Pedrógão, Figueiró e Castanheira de Pera, mas especialmente para as Sarzedas de São Pedro, por razões afetivas e familiares.
Pediatra
Escreve à terça-feira