Há muito tempo que a maçonaria não vivia tempos tão conturbados. O atual grão-mestre e recandidato ao cargo, Fernando Lima, classifica o próximo ato eleitoral, no sábado, como um «momento decisivo» para a história da maçonaria. Ao ponto de, numa mensagem que escreveu esta semana aos maçons a traçar as diferenças entre a sua candidatura e a do professor universitário Adelino Maltez, afirmar que «nunca no passado, como no momento presente, o povo maçónico se deparou com uma decisão tão fundamental, estando perante duas alternativas tão antagónicas entre si».
Há pelo menos 15 anos que as eleições para grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL) não eram tão renhidas e a vantagem de Adelino Maltez na primeira volta apanhou muitos maçons de surpresa. O politólogo conseguiu 445 votos e ficou à frente do atual grão-mestre, com mais 31 votos. Os maçons vão voltar a votar no próximo fim-de-semana e, numa reflexão sobre as eleições no GO0L, a que o SOL teve acesso, Lima garante que «o que está em causa nestas eleições é a manutenção ou não da nossa identidade».
Lima teme que Maltez ‘só trabalhe para os seus’
O grão-mestre traça as muitas diferenças que considera existir entre a sua candidatura e a de Adelino Maltez: «A opção é pois: entre a serenidade e a exposição permanente; entre a estabilidade e o conflito como regra; entre a comunicação e a intervenção coletiva e institucional e a intervenção banal, irrelevante e pessoal». E continua: «Entre a experiência e o aventureirismo» e «entre a inclusão e a retaliação».
O maior ataque é feito quando Fernando Lima alerta para o risco da candidatura adversária protagonizar «uma liderança parcial que só trabalhe para os ‘seus’».
Pelo meio, o recandidato a grão-mestre alerta que a maçonaria «não se compadece com populismos ou opacas névoas ideológicas» e acusa Maltez de ter «uma concepção radical, que visa transformar a obediência numa espécie de protopartido». Lima conta com o apoio dos ex-grão-mestres António Arnaut e António Reis. «Tem todas as condições para ganhar a segunda volta. Aposta na renovação na continuidade e, sobretudo, apresenta um saldo claramente positivo do que foi feito ao longo dos últimos seis anos», disse, em declarações ao i, António Reis.
Adelino Maltez recusa os que pactuam com a geofinança
Adelino Maltez lançou-se nesta corrida com a garantia de que, se vencer, irá «tirar o GOL da clandestinidade». O professor universitário é, há muitos anos, um defensor de que não se justifica tanto secretismo e contou com o apoio de conhecidos maçons, como o ex-ministro da Cultura João Soares, o militante socialista Álvaro Beleza ou o advogado Ricardo Sá Fernandes.
O candidato, numa comunicação enviada esta semana aos ‘irmãos’, não se refere diretamente ao atual grão-mestre, mas rejeita «lógicas de imobolismo e de eternização no poder, contrárias às tradições maçónicas». Uma referência a Fernando Lima, que é o primeiro, desde o 25 de Abril, a candidatar-se a um terceiro mandato à frente do GOL.
As indiretas para a candidatura adversária continuam com a garantia de que «dar à maçonaria todo o seu valor é recusar as visões totalitárias e instrumentais dos que, pactuando com a geofinança e o mais destrutivo do mundo profano, secundarizam a sua tradição, a sua integridade e a sua ética».
Maltez promete uma «reneração tranquila» na maçonaria. Garante a «salvaguarda estrita e rigorosa do segredo maçónico», mas «reconciliando-a com o mundo profano». A ideia é mostrar aos não maçons que «o mundo maçónico é feito de saberes e coraçãos puros, corajosos, solidários e cultos».
Madeira de Castro não faz recomendação de voto
Lima e Maltez disputam agora os votos que na primeira volta foram para Daniel Madeira de Castro. O economista não vai, no entanto, dar indicação de voto em nenhum dos candidatos.
«Não darei qualquer sinal de intenção de voto (…) Considero que tal constituiria um abuso inaceitável da minha parte, perante quem livremente votou na Lista B», afirmou Daniel Madeira de Castro, numa mensagem aos maçons, depois de terem sido conhecidos os resultados oficiais.
Contas feitas, Adelino Maltez ficou à frente com 34,74%, Fernando Lima em segundo com 32,32% e Madeira de Castro em último lugar com 29,20%. Participaram nestas eleições 1281 maçons.
A divisão de votos entre os candidatos obrigou à realização de uma segunda volta, o que já não acontecia no GOL desde que, em 2002, António Arnaut foi eleito grão-mestre.
Esta é a primeira vez em que Fernando Lima não conseguiu vencer à primeira volta.
O advogado – que lidera o GOL desde 2011 – venceu a primeira eleição com quase 60% dos votos contra António Roseiro, dentista, e Carlos Prata, médico-cirurgião.
Três anos depois, reforçou a votação e foi reeleito contra o historiador Francisco Carromeu e o economista Daniel Madeira de Castro.
O ex-grão-mestre António Reis considerou, em declarações ao i, que «o povo maçónico é soberano e é natural que tenha havido esta divisão de votos». Um maçom que prefere não se identificar não é tão optimista em relação ao momento que a maçonaria está a atravessar e lamenta ao SOL que «já se tenha passado das divergências de pensamento para as divergências pessoais».
Mas o que vai estar mesmo em dispuita no próximo sábado, como diz Fernando Lima, são os próprios princípios norteadores da instituição.