«Antes só que mal acompanhado»

Quantas vezes já ouvimos esta expressão? Creio que, talvez, demasiadas.

A própria frase, que vi pintada num conjunto de grafitos no Porto, contém uma gota de ironia. É, habitualmente, uma resposta que dá quem, não gostando de estar sozinho, também não gosta de estar mal acompanhado, ou pretende, de alguma forma, ofender o seu interlocutor.

E será que mais vale estarmos sós do que mal acompanhados, numa «triste e leda madrugada, / cheia toda de mágoa e de piedade», como «cantava» Camões? Há quem pense o contrário, quem não seja capaz de viver no silêncio da solidão e, portanto, prefira qualquer tipo de companhia, mesmo – como já referido em crónica anterior – que essa companhia seja um monstro violento, um marido picuinhas e embirrento, ou uma mulher-escrava, que cuida da roupa e da casa, uma fada do lar com poucos mais atributos ou talentos e que, fora de casa, é substituída por qualquer outra com mais «um palminho de cara». Há, pois, quem tudo suporte para evitar o vazio da solidão, e acabe a vida chegando à mesma conclusão que José Gomes Ferreira: «Mentira?… Verdade?… / Sei lá se sonho ou vivo! / (Fujo.)».

Mas há também quem mantenha a sua dignidade e reconheça que merece sempre mais – mais beleza, mais inteligência, mais compreensão, mais amor – por parte de quem partilha a sua vida e, num ato de coragem, parta «chorando / Deste meu saudoso (…) lar!…» e faça uma mudança, como descreve Guerra Junqueiro: «Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida…». São, pois, estas pessoas corajosas, que preferem (e, muitas vezes, optam conscientemente por) estar sós, já que não têm companhia que lhes agrade, já que não encontram nos outros, com quem convivem, aquilo que efetivamente valorizam num ser humano.

É por isso que, tantas vezes, a solidão é libertadora, como afirmava Fernando Pessoa, e nos dá a capacidade de nos conhecermos a nós próprios, de questionarmos a nossa missão no mundo, o sentido da nossa existência. E, como o próprio sugere: «Vão para o diabo sem mim, / Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! / Para que havemos de ir juntos?»

Mas a vida com outros também completa a nossa existência e dá-lhe sentido. Por vezes, é com os outros que tudo é mais tudo…

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services