No que ao Brexit diz respeito, o plano apresentado por Theresa May, em janeiro deste ano, permanece inalterável. Desde o dia em que a primeira-ministra britânica defendeu a opção pelo via mais austera no divórcio entre Reino Unido e União Europeia, até hoje, a data que inaugurou a legislatura, o governo entrou em guerra com o Supremo Tribunal britânico, por causa da legitimidade em desencadear o processo de saída, digladiou-se com a Câmara dos Lordes, que queria garantias pelos direitos dos cidadãos da UE e expatriados, e perdeu a maioria parlamentar que tinha, fruto de uma decisão sobranceira de ir a votos para esmagar o Partido Trabalhista.
Obstáculos que colocaram May numa posição política muito fragilizada e que a obrigaram a ir procurar ajuda aos norte-irlandeses do ultraconservador Partido Democrático Unionista (DUP) – um processo ainda sem luz ao fundo do túnel – para poder ter apoio no parlamento.
Mas quem ouviu a Rainha Isabel II na câmara alta de Westminster, não estando a par dos últimos capítulos da saga britânica, concluiu certamente que tudo correu como planeado para May, no que toca aos planos de saída da União. Tal como manda a exigente tradição do Reino Unido, a monarca leu o programa do governo, onde constavam 27 propostas de lei, incluindo oito referentes ao Brexit que os conservadores querem: saída do Mercado Único, fim da liberdade de movimento, recuperação do controlo da imigração, liberdade para celebrar acordos comerciais e aduaneiros com países fora da UE, entre outras metas.
Dentro destas oito propostas de lei sobre o Brexit, cabem ainda matérias como as pescas, a agricultura, a energia nuclear ou a liberdade para a imposição de sanções internacionais.
Se a estratégia de um governo minoritário, ainda sem alianças no parlamento foi, ainda assim, a de manter o contestado plano para o abandono à Europa, em relação à política interna verificou-se exatamente o contrário. Aos pontos do manifesto tory que perderam força com os resultados das legislativas, como a intenção de acabar com as refeições grátis nas escolas ou a de diminuir ajudas (aquecimento, gás, eletricidade, etc) aos reformados em tempos de inverno , destacou-se igualmente a omissão, no “Queen’s Speech” (“Discurso do Rainha”), das promessas de expansão das escolas secundárias e de revisão da lei de proibição da caça à raposa, duas questões que originaram enorme controvérsia durante a campanha eleitoral.
A estratégia definida pelos redatores do discurso, em relação aos temos mais polémicos – excetuando o Brexit, claro – foi então no sentido do uso de frases como “serão objeto de consultas” ou “vão refletir as conclusões das propostas avançadas”, aplicadas a áreas temáticas alargadas da governação.
No que toca à legislação relacionada com a estratégia de contraterrorismo – recorde-se que May havia sugerido revogar direitos humanos adquiridos para combater a ameaça terrorista no Reino Unido, na sequência do atentado na Ponte de Londres – ficou apenas a promessa de “revisão das leis existentes”.
Os tories terão agora de fechar o acordo com os unionistas até ao início da próxima semana, a data prevista para a votação do programa do executivo na Câmara dos Comuns. Resta saber se a opção de Theresa May pelo hard Brexit, criticada vezes sem conta pela liderança do DUP, não será um obstáculo inultrapassável na operação de charme aos norte-irlandeses.