Ninguém ficou indiferente perante a tragédia que teve o rastilho no Pedrógão Grande há uma semana. O país está ainda de luto, as pessoas continuam constrangidas com o que se viveu e se vive naquelas aldeias em que o fogo e o fumo engoliram o sol.
Para quem já sonhava com férias, o calor tornou-se num sinal de má sorte. Poucos o veem com bons olhos e acredito que muitos de nós abririam facilmente mão de alguns dias de praia para que São Pedro se compadecesse do desespero de quem vive e trabalha em todas as zonas que ardem no país e desse uma ajuda nesta luta desigual.
Não houve quem não se manifestasse. Uma onda de solidariedade inundou de alimentos e produtos de primeira necessidade as vilas afetadas, foram enviados reforços de várias zonas do país e de países vizinhos, várias crianças fizeram espontaneamente desenhos alusivos ao tema e tentaram compreender assustadas o que preocupava os mais crescidos, houve quem se emocionasse, quem praguejasse, e quem incriminasse.
Como acontece muitas vezes quando algo inesperado nos desconcerta, foram ditas coisas menos oportunas e pouco adequadas. Não é fácil lidar com a dor. Com a dos outros e menos ainda com a nossa. Às vezes é mais simples recorrer à zanga e à acusação.
Sempre ouvi dizer que quem já foi pai sente de forma diferente, mais intensa, o que se passa com outras crianças. Agora percebo do que falavam. Mas julgo que não são só as alegrias e tristezas das crianças que nos emocionam e tocam de maneira diferente. Também as dos mais velhos, das relações, da família. Tornamo-nos seres mais emocionais. Não só porque comparamos as emoções e vivências das outras crianças às nossas, mas porque valorizamos ainda mais os laços familiares, conhecemo-los do outro ângulo, e mesmo dos mais velhos quando estão aflitos, porque os identificamos com alguém de quem gostamos ou porque sabemos que já foram como os nossos filhos, indefesos, e no fundo há uma parte deles que permanece assim toda a vida. Tal como a nossa parte bebé, mais desprotegida e insegura, nestas alturas vem ao de cima.
Foram muitas e muito comoventes as histórias que nos foram chegando daquele pesadelo acordado. Histórias de bravura e de aflição, de mães, de pais, de filhos, de avós, de tios. De quem partiu e de quem viu partir. De quem ficou sem nada. De todos os que um dia, ainda não sabem como, com que forças nem quando, terão de recomeçar, a reconstruir e a reconstruírem-se. Porque não há vida sem morte, nem há morte sem renascimento. Para quem parte, mas também para quem fica.
Além de todo o nosso afeto e pensamento, que estão muito próximos destas pessoas e deste pedaço de terra que é também nosso, podemos neste solo devastado encontrar uma oportunidade para pensar, dar valor e cuidar do que temos, que é sempre mais difícil de ver quando está perante os nossos olhos. Até porque nunca sabemos em que manhã nos estaremos a vestir para encontrar um dia menos afortunado.