KAZAN – Ah! O Chile! Belo país, o Chile! O mais europeu de toda a América Latina, e Santiago e os seus bulevares de árvores de copas largas. É fundamental conhecer o Chile. À moda do Ega e do Craft d’“Os Maias, lembram-se? “Oh, menino! Tu não conheces o Craft? É indispensável conhecer o Craft!”
No futebol passa-se o mesmo, e não me vejam dizer que no futebol não há literatura. O futebol está cheio de literatura. É indispensável conhecer o Chile e, neste momento, ninguém tem dúvidas que toda a mecânica do eng.º Fernando Santos já se movimentou para perceber como encaixam as rodas dentadas dessa seleção que foi campeã sul-americana, às despesas do Brasil, da Argentina e do Uruguai e do mais que está para se saber.
Também, tal como Portugal, pela primeira vez na Taça das Confederações e, “por supuesto”, pela primeira vez nas meias-finais da Taça das Confederações. Reedição de um confronto que vai agora para o seu quarto capítulo, com dois deles a ficarem marcados para a história do futebol português, o primeiro em 1928, no Torneio dos Jogos Olímpicos de Amesterdão, o segundo em 1972, na Mini Copa do Brasil. Duas vitórias lusitanas que se somaram a um empate meramente particular.
Pizzi, o Juan Antonio, selecionador que acabaria sem o saber por dar alcunha a Pizzi, o jogador, já se mostrou confiante de que pode criar problemas em barda a este Portugal-campeão-da-Europa, com orgulho e ambição já não diria nos píncaros da Lua, mas pelo menos nos píncaros do estratovulcão do Pico, ponto mais alto da nação com os seus 2531 metros de altitude, pobre dele em comparação com as neves dos Ojos del Salado, a perder de vista para os seus 6860 metros na cordilheira dos Andes. Se fosse um desafio de altitudes, já vimos quem levava a taça para casa, naturalmente, mas o futebol joga-se sobre a relva, ainda por cima de uma muito temperada cidade de Kazan, entalada entre as águas do Volga e do Kazanka e na qual o único promontório é o do pequeno Kremlin que, bem mais pequeno que o de Moscovo, não lhe fica atrás em formosura.
Esquina do tempo
Está a seleção na esquina do tempo de todas as vitórias. Depois do sucesso no último Europeu, em França, há um ano, entrou para esta espécie de pequeno mundial de campeões continentais com a vontade inquebrantável de levar para casa mais um troféu bonito para juntar à Taça Henry Delaunay. E, como quem tem Ronaldo parece poder, por estes dias, sonhar para além do próprio sonho, esse objetivo está a pouco mais do que ao estender da mão.
Chile ou Alemanha teriam sido os adversários possíveis. E mesmo que a Alemanha tenha aparecido aqui na Rússia com um conjunto desfalcado de muitos dos seus nomes mais pesados, digamos assim, optando por escolhas mais jovens, estamos em crer que o Chile entra bem mais dentro do que é acessível para os portugueses, apesar de tudo.
Claro que não é de confiar na imagem última que ficou registada. Frente à Austrália (empate 1-1), o conjunto de Pizzi foi excessivamente individualista e exibiu fragilidades que até aqui não se tinham visto. É melhor focarmo-nos naquilo que fez durante a primeira parte do confronto contra os alemães. Aí sim, não deram bem água pela barba aos germânicos porque eles são, na sua maioria, bastante curtos de idade. Mas deram-lhes, sem dúvida, uma carga de água pelo buço.
É igualmente verdade que há um elemento agitador neste conjunto andino, tal como acontece com Ronaldo na equipa lusitana. Falamos de Alexis Sánchez, que teima em fazer excessivas vezes sozinho aquilo que podia fazer partilhadamente com os companheiros. Mas falamos igualmente de um jogador que assume um protagonismo definitivamente positivo. Os seus movimentos, muitas vezes desregrados, podem ser incorrigíveis. Com ele, os chilenos estarão sempre mais perto do golo e dificilmente deixam de o marcar, até porque contam ainda com o vigor e a raça de gente como Vidal, Vargas ou Beausejour, este um caso raro de aproveitamento de jogo exterior e de qualidade nos centros bem puxados para as áreas adversárias.
Convenhamos: ponto por ponto, Portugal leva vantagem. Mas isso, como sabemos, vale o que vale. Até agora, a sobriedade lusitana, sempre low profile e sem excessos de alardes, tem levado a água ao moinho das vitórias, e elas só não foram por inteiro por via de um golo meio estranho sofrido no último minuto perante o México. Mas acrescente-se: contra o futebol entediante e burocrático (ia a escrever primário) da Rússia e da Nova Zelândia, tudo se passou com a calma tranquila de um dia de barqueiro do Volga. Já frente aos mexicanos, com muito mais pontos em comum com estes chilenos, as coisas fiaram mais fino. Impedir o carrossel meio amalucado do Chile será meio caminho andado para a vitória.