Vivemos uma semana de dor imensa. O fogo, o fogo intenso, ceifou vidas humanas, famílias inteiras, milhares de hectares de mato.
O fogo, descontrolado, visitou diferentes concelhos, estradas nacionais e municipais e ultrapassou, na sua fúria, rios e riachos.
O fogo, sempre provocador, fez mobilizar milhares de bombeiros, suscitar a ajuda internacional e determinar o envolvimento total do poder político português.
Vivi durante doze anos em Sintra, e em cada início de setembro era recordado o fogo avassalador que ceifou a vida de dezenas de soldados e que destruiu sonhos de muitos jovens. Sofria em cada setembro com as cerimónias em Queluz e no topo da Serra de Sintra.
Escutei histórias que jamais esqueço e que guardo no meu álbum de memórias. Como aquela de um jovem encontrado agarrado, todo queimado, a uma árvore – num abraço entre o humano e a natureza. Todos os anos era recordado por seus pais, que vinham do Norte para, em cada manhã de Setembro, revisitarem momentos de dor e instantes, bem breves, de vida.
O que nos ficava de cada setembro eram os gritos de gente simples que ecoavam pela bonita Serra de Sintra.
Muitas lágrimas e sentidos gritos.
E aqueles gritos eram, por vezes – na surdina do olhar que chegava do alto da serra -, gritos de enganos, gritos de contida revolta, pois aqueles jovens, que não eram de Sintra, tinham morrido no combate a um fogo num sítio que totalmente desconheciam. E nem havia naquele tempo SIRESP…
Ao longo desta semana senti que Pedrógão e Sintra se aproximavam como se os mapas eletrónicos, que neste tempo nos ajudam em tudo e para tudo, permitissem juntar serras e espaços a largos quilómetros de distância.
E recordei que cada cerimónia de setembro me vinculava a tudo fazer para manter todos aqueles espaços verdes, motivar que as ignições fossem de imediato atacadas e criar todas condições para que os bombeiros tivessem meios eficazes e adequados.
E conheci todas as circunstâncias da prevenção e do combate, todos os mecanismos de suporte e de ajuda, as diferentes formas de disponibilidade e de solidariedade. Os meus ouvidos escutaram, também, em certos momentos mais complexos, algumas mentiras. Mas nesses instantes deixava-me embalar pelas palavras sábias dos Sermões do Padre António Vieira: «Mentem as línguas, porque mentem as imaginações; mentem as línguas, porque mentem os ouvidos; mentem as línguas, porque mentem os olhos; e mentem as línguas, porque tudo mente e todos mentem».
Após os incêndios desta semana, é imensa a responsabilidade dos atores políticos. É que, como também escreveu o Padre António Vieira, «no nascimento somos filhos dos nossos pais; na ressurreição, das nossas obras».
E aqui, a obra – ‘a obra’ que se exige – é-o também em respeito por cada um e cada uma que o fogo devorou e que era um ser único e irrepetível. E cada uma e cada um que partiu exige que ninguém se conforme com o que ocorreu e que ninguém claudique nos esforços para que este drama se não repita. Com a consciência de que, em cada ano, esta estrada de dor será recordada. Como o é, em cada arranque de Setembro, o drama humano da Serra de Sintra!