Esta semana realizou-se o festival internacional de criatividade Cannes Lions, os Óscares da comunicação. Foi a sexagésima quarta edição de um festival que, mais do que uma cerimónia de entrega de prémios para distinguir os melhores trabalhos do setor, é uma semana de partilha de conhecimento entre especialistas de diferentes áreas, líderes mundiais de várias indústrias, pessoas que vale a pena conhecer.
Claro que quando há competição é difícil não falar dos vencedores. Este é o período do ano em que mais se fala de criatividade, em que se percebem as principais tendências que vão impactar o setor nos tempos mais próximos e em que se morre de inveja desta ou daquela ideia que podia muito bem ter sido nossa. Para quem tem interesse nestes temas, o arquivo com os casos vencedores está acessível no site do festival durante mais alguns dias.
Escrevo no dia 21, quarta-feira, quando ainda faltam anunciar muitos vencedores. Não há tempo para acompanhar todos os vídeos de conferências, debates, apresentações que vão sendo disponibilizadas nas mais variadas plataformas. Mas há três pontos que, não sendo propriamente novidade, continuam a ter grande destaque em casos vencedores.
Em primeiro lugar as causas sociais, a comunicação enquanto parte da solução de um problema que afeta uma comunidade. O grande prémio ‘For Good’ foi atribuído a uma campanha de vacinação do Ministério de Saúde Pública do Afeganistão. Aproveitando a tradição local das crianças usarem pulseiras de contas para a proteção contra espíritos malignos, os médicos passaram a adicionar contas de diferentes cores, identificando assim as vacinas que a criança recebeu. Destaque também para a ‘Fearless Girl’, uma estátua de uma menina em pose desafiadora em frente ao touro de Wall Street, uma ação que chamou a atenção para a temática da igualdade de género. E claro Graham, a inesquecível imagem do que seria a fisionomia perfeita do ser humano para resistir a acidentes de viação. Quando uma ação de comunicação contribui para salvar vidas humanas, promover a sua dignidade ou contribuir para uma mudança de hábitos que transforma de forma positiva uma comunidade, não é justo comparar resultados, apenas enaltecer a iniciativa.
O segundo ponto de uma breve análise do trabalho de Cannes é a importância da media ganha, a grande métrica de sucesso de uma ação de comunicação. Valoriza-se a comunicação pelo mérito de criar conteúdos com os quais as pessoas se envolvem, reagindo, comentando, partilhando, do qual se apropriam. Cada vez mais interessa perceber até onde é que as pessoas levam a mensagem. O papel da media paga é, cada vez mais, o de lançar e apoiar outros tipos de media.
Por último destaco a simplicidade. Além das ideias vencedoras serem muito simples, o que é apenas uma boa prática da nossa atividade, tendem a simplificar a nossa vida e um vasto número de demandas do quotidiano. Exemplo da Boost, que fez da sua rede de lojas centros de voto, para facilitar o acesso ao voto e, nas palavras de Barack Obama, promover a democracia.
Não consigo terminar sem uma palavra sobre o incêndio que hoje ainda continua ativo no centro do país, tendo causado dezenas de vítimas mortais e um ainda incalculável prejuízo patrimonial. Quem mais sofre de forma recorrente com este flagelo são as populações que habitam nas zonas interiores do país. Populações frágeis, envelhecidas e muitas vezes isoladas. Não são o público alvo de campanhas publicitárias, o seu fraco poder de compra afasta-os do radar das marcas quando estas se querem aproximar das pessoas.
Destaco a prontidão de algumas marcas para se colocarem ao serviço das populações, ajudando com os seus produtos e serviços a combater as chamas e apoiar as vítimas (a banca e as telecomunicações são apenas dois exemplos).
Mas fica um desafio para todos os anunciantes, agências, freelancers e estudantes: as causas sociais são dos temas que mais prémios ganham nos festivais de comunicação, sobretudo quando as suas ações contribuem para fazer a diferença, para resolver um problema. Será que não temos nenhum contributo para dar a esta causa? De preferência que não acabe no final do mês de agosto.
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media