Era uma realidade muito pouco conhecida há algumas décadas, mas nos últimos anos começaram a surgir cada vez mais adeptos de drones. As últimas notícias dão conta de incidentes com alguns destes aparelhos, mas será que estamos mesmo a falar dos drones mais conhecidos, aqueles que muitos compram nas lojas para se divertirem a captar algumas imagens da cidade ou da praia, ou de um aparelho mais elaborado? Além disso, persiste outra dúvida: quem são as pessoas que manobram estes dispositivos e colocam em risco a vida de centenas de pessoas? Os pilotos acreditam que se trata de pessoas conhecidas entre a comunidade ligada aos drones, mas estas dizem não conhecer ninguém que se dedique a uma atividade tão perigosa.
No passado domingo, um avião da TAP cruzou-se com um aparelho que voava a 900 metros de altitude – era o décimo incidente do género desde o início do ano. Eram 20h20 quando o piloto da aeronave reportou “um drone a 50 metros da asa direita, a 900 metros de altitude”, quando sobrevoava a zona do Pragal, Almada. O aparelho tinha cerca de um metro e conseguia acompanhar a velocidade do avião da TAP. No dia seguinte, um aparelho da Ryanair também teve um “encontro” com um dispositivo que voava a cerca de 500 metros de altitude, perto da fase final de aproximação ao aeroporto de Lisboa. Esta é uma situação que preocupa tanto as entidades governativas como os pilotos, que temem que estes acontecimentos possam dar origem a situações trágicas.
“Há que estudar rapidamente o assunto. Já tive uma reunião com o GPIAAF [Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários] onde se falou sobre a constituição de um grupo de trabalho para estudar este fenómeno. A tutela também está muito preocupada com estes acontecimentos e, brevemente, a pedido da tutela ou não, a ANAC [Autoridade Nacional de Aviação Civil] terá de fazer alguma coisa, por forma a tranquilizar as pessoas (…) É preciso fazer alguma coisa rapidamente para não termos um acontecimento catastrófico”, disse ao i Miguel Silveira, presidente da Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA).
O regulamento em vigor desde janeiro deste ano proíbe o voo destes aparelhos a mais de 120 metros de altura e nas áreas de aproximação e descolagem de um aeroporto. Em face dos últimos acontecimentos, a ANAC admitiu recentemente proceder a alterações na regulamentação, por forma a prevenir mais incidentes como os que têm surgido. Mas quando falamos de drones, estamos a falar de que aparelhos?
Quando falamos em drones, a primeira imagem que surge são os aparelhos com quatro hélices que são vendidos em lojas como a Fnac. Destes modelos, os mais conhecidos são os drones DJI e Phantom. No entanto, existem aparelhos com maior potência e também menos conhecidos do grande público – um exemplo desses casos é o drone de asa fixa.
De acordo com a informação avançada pela comunicação social e confirmada ao i por Miguel Silveira, o dispositivo tinha capacidade para acompanhar um avião da TAP. Marco Santos, administrador do grupo no Facebook DJI Portugal, explicou ao i que é impossível um modelo destes fazer aquilo que foi descrito pelos pilotos. “Usam o termo drone porque é o nome vulgar dado a estes aparelhos. Fala-se em velocidades entre os 200 e os 300 quilómetros por hora – é impossível um quadricóptero [este tipo de drones mais conhecidos] andar a essa velocidade. Os que poderão fazer isso são os de asa fixa, que são telecomandados com um comando parecido com o nosso”, explicou. O i tentou contactar o grupo no Facebook relacionado com atividades que envolvam estes aparelhos mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta.
Sem olhar a modelos, Miguel Silveira alerta para a situação preocupante que se vive não só em Portugal, mas na Europa. “Segundo o relatório da EASA [European Aviation Safety Agency] no que diz respeito à utilização de drones, desde o ano 2011 até 2016, os incidentes sérios com drones cresceram 2230% em toda a Europa. Portugal está a andar muito mais rapidamente do que a EASA: esta só terá uma regulamentação para drones em meados de 2018 e nós já temos uma regulamentação publicada pela ANAC e vamos trabalhar nas alterações que devem ser feitas”, reforçou.
Rui Antunes, diretor da equipa FPV (First Person View) Portugal, disse ao i que este grupo tem cooperado com a ANAC para prevenir o surgimento de situações semelhantes às que têm sido descritas nos últimos dias. “Estes drones falados nas notícias são drones com uso profissional, não com um fim recreativo ou desportivo. Drones de uso recreativo/desportivo são operados por pilotos devidamente federados que conhecem as regras do uso destes equipamentos, regras essas que não lhes permitem operar o equipamento fora de sítios devidamente preparados para a prática da modalidade. E aqui estamos a falar de sítios em que o próprio espaço aéreo tem já “caixas” que contemplam o espaço aéreo do clube como sendo uma zona de prática de aeromodelismo”, explicou. Falamos então de drones de captação de imagens, de mapeamento, entre outros. Questionado sobre a possibilidade de se tratar de drones usados por militares, Rui Antunes descarta tal hipótese: “Esse tipo de drones é operado segundo as mais rígidas regras de segurança e por pessoas conhecedoras do espaço aéreo.”
Os aparelhos descritos por este homem têm uma potência elevada, mas podem ser comprados por qualquer pessoa, o que torna a identificação de infratores mais difícil. “O problema está na comercialização destes aparelhos a utilizadores menos conhecedores das regras de segurança e do regulamento em vigor. Se a venda fosse restrita a modelos com as zonas interditas a voo devidamente bloqueadas, era mais fácil [controlar este tipo de situações]. Continuava a ser permitida a venda ao público em geral, mas apenas de modelos devidamente programados para bloquear as zonas de voo interditas”, defende.
Quem anda a assustar os pilotos?
Miguel Silveira está convencido de que a comunidade de apreciadores de drones deveria unir-se e revelar a identidade de quem anda a assustar os pilotos que se dirigem para os aeroportos portugueses. “É dito, não consigo confirmar se é verdade ou não, que se sabe perfeitamente quem é a pessoa que anda a fazer brincadeiras junto à Ponte 25 de Abril. Se assim for, a comunidade tem obrigação de dizer quem é – mesmo para distinguir a maioria das pessoas que compõem a comunidade dos drones, que são pessoas fantásticas e responsáveis. Se a própria comunidade dos drones não tomar medidas, não responsabilizar os brincalhões e os patetas que andam a fazer estas coisas, não me admiraria que em Portugal tivéssemos de seguir o mesmo caminho que o Canadá”, onde está a ser criado um regulamento que proíbe praticamente o uso de drones em cidades como Toronto, esclarece o presidente da APPLA.
No entanto, o i falou com várias pessoas ligadas à comunidade dos drones e nenhuma soube dizer quem era a pessoa que estava a operar o aparelho que acompanhou o avião da TAP. Apesar de tudo, não seria difícil identificar o indivíduo: Daniel Martins, um dos membros do grupo DJI Portugal, publicou recentemente uma fotografia de um aparelho a sobrevoar uma zona muito próxima do aeroporto de Lisboa, junto à Ponte Vasco da Gama.
“São utilizados canais abertos que qualquer dispositivo com 5.8 GHz de frequência consegue captar. Estava a ligar o meu drone e a fazer uma busca no monitor para sintonizar com o meu aparelho e nessa busca encontrei esse voo ilegal. Decidi acompanhá-lo com uma testemunha para validar que era uma asa fixa. Estava a mais de 250 metros de altura junto a um aeroporto”, revelou ao i. Ao acompanhar o voo, Daniel conseguiu perceber de onde descolou o aparelho e onde aterrou. Se tivesse meios para isso, conseguiria detetar quem era a pessoa que estava a comandar o dispositivo: “[Era possível identificar a pessoa] indo ter com ela na hora a que tudo estava a acontecer, pois [graças às informações captadas] sabia-se o local do piloto”, explicou.
O i pediu esclarecimentos à ANAC e à PSP sobre o número de incidentes detetados com drones e a possível identificação de indivíduos relacionados com estes acontecimentos mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta. O presidente da ANAC, Luís Ribeiro, será ouvido hoje na comissão parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas, onde falará sobre as condições de segurança do espaço aéreo e a interferência dos drones nas mesmas.