Termina amanhã, aqui em Moscovo, aquilo a que os Beatles chamariam uma «Magical Mistery Tour», bem menos psicadélica, como está bem de ver, mas ainda assim uma volta de Portugal à Rússia, passando por Kazan, Moscovo, São Petersburgo, e de novo Kazan e Moscovo antes de regressar a casa.
Sobrou para a Selecção Nacional, orgulhosamente campeã da Europa, esta final dos pobres, ou seja, aquele joguinho meio pindérico e incompreensível que manda estabelecer a hierarquia absurda do melhor dos piores, o tal terceiro lugar que para a grande maioria dos jogadores e treinadores e até adeptos que se viram afastados da final a sério, a final dos ricos, tanto se lhes dá como deu. Talvez tenha ficado abaixo das expectativas, ultimamente tão em alta, mas também não é nada que ponha em causa o prestígio adregado faz agora um ano, depois da aventura francesa desse verão do nosso contentamento.
Alemanha e Chile acabaram por justificar a presença no jogo decisivo, no magnífico Estádio de São Petersburgo, uma espécie de nave espacial aterrada junto ao Báltico e no centro de um parque frondoso de faustoso verde na ilha de Krestovski, nos arrebaldes tranquilos da cidade das Noites Brancas, como lhes chamou o imarcescível Dostoiévski.
O engenheiro não é romântico
Fernando Santos, com o seu grau académico em engenharia, não é dado a romantismos, pelo menos no que ao futebol diz respeito, era agora o que faltava estar a entrar pela sua vida sentimental. Diga-se, aliás, sem tergiversações, que essa sua forma essencialmente prática de ver o presente da selecção nacional veio a calhar nesta fase concreta da sua existência, mesmo que se possa dizer que os seus antecessores, Carlos Queiroz e Paulo Bento também não eram muito adeptos do risco e do invencionismo. Por via dessa forma de estar, habituámo-nos a um Portugal de régua e esquadro, de pressão continuada e de segurança nos movimentos defensivos. A forma de atacar já exige outro tipo de observação, e não apenas por depender de jogadores menos controláveis, chamemos-lhes assim, como Ronaldo, Quaresma ou Nani.
No primeiro jogo desta Taça das Confederações, frente ao México, foi possível perceber algum desconforto sempre que os pequenos mexicanos saltavam de um lado para o outro como chihuahuas excitados, provocando desequilíbrios nos primeiros momentos de disputa da bola e, assim, fazendo cair sobre a retaguarda do conjunto problemas que na maior parte das vezes são resolvidos antes de lá chegarem. Com o Chile, e a despeito de o jogo ter sido mais amarrado, aconteceu o mesmo, sobretudo naquela fase final do prolongamento na qual as substituições tinham desmanchado a solidez de cimento que costuma ser o cartão de visita português. Vamos e venhamos: raramente vimos esta equipa tão aos papéis como nesses minutos derradeiros. E não custa a crer que eles serviram para dinamizar o ânimo dos chilenos em cima do momento da angústia dos penaltis.
Relampeja sobre a cidade na altura em que escrevo. Risco de luz atravessam o céu como rabiscos de electro-cardiogramas num fundo de nuvens negras. Os trovões chegam mais tarde. Parece que alguém arrasta a mobília lá em cima.
Amanhã fecha-se o circo desta tal «Magical Mistery Tour» por uma Rússia sempre fascinante e que deu bem conta do recado, tantos em termos organizativos como em termos de participação num pequenino Mundial que serve de teste para o Mundial a sério do ano que vem. Os estádios tiveram sempre multidões consideráveis, ainda que muito graças à atração dos convites gratuitos. Nada a opor. Os testes fazem-se com estádios cheios e não vazios. E já lá vai o tempo em que para cá daquela que foi a Cortina de Ferro do velho e relho Winston era moda atapetar as bancadas com a tropilha, fosse ela de infantaria ou cavalaria, dando aos campos de futebol o ar de plantações de feijões verdes.
Pela TV
Uma nota final para aquilo que começou, nesta competição, como uma epidemia e terminou, felizmente, como uma mera constipação: o recurso constante ao vídeo-árbitro.
Por acaso, ou talvez não, e vou bem mais pela segunda hipótese, ambos os jogos das meias-finais não foram interrompidos para opiniões televisivas, mesmo que haja a sublinhar o benefício que Portugal tirou disso ao ver-lhe poupado um penalti claro cometido por José Fonte lá nessa tal fase de desorganização final. Quem reviu pela TV, entrou pelos olhos dentro com a certeza de uma bala disparada por Vassili Zaitsev, que na II Grande Guerra ficou conhecido como o Atirador de Estalingrado. Bem reclamaram os chilenos e bem ficámos todos a sentir que depois daquilo não haveria forma da noite apagar a estrelinha lusitana. Apagou.
Confesso: não senti falta desses intervalos maçadores de expectativa irritante. Sobretudo depois de ter visto a forma dúbia como os foras-de-jogo são tratados com recurso a esta nova técnica: é fácil repor a situação de um lance ilegal que deu golo (volta-se ao local de partida), mas é impossível repor a situação de um lance anulado por um off-side mal assinalado, já que não pode desenhar-se o movimento outra vez. Talvez fosse bom repensar a forma de intervir. Sob o risco de entrarmos num tempo de injustiças informáticas.
Algo que, decidamente, o futebol não precisa.