Quem percorre as estradas que dão acesso a Acra descobre-os com facilidade em largos barracões nos quais os artistas os esculpem naquelas formas estranhas, às vezes grotescas. Os caixões do Gana são algo de único e de tão extravagante que até têm direito a sites privados que permitem encomendas feitas de qualquer parte do planeta. Obras de arte? Podem muito bem ser consideradas assim, se ninguém levar a mal a existência de uma arte funerária. Ainda que também uma arte destinada a ser escondida debaixo de uns sete palmos de terra.
Aviões, carros, porcos, aves, peixes. Há para todos os gostos. E para registar, no momento da morte, a vida profissional dos defuntos.
Falemos dos ga, um povo que se espalha pelo Gana, pelo Togo e por certas partes do Benim. Inicialmente, camponeses. Atualmente, pescadores e envolvidos em toda a sorte de negócios. Foi deles a ideia: levar para a vida que acreditam existir para além da morte emblemas da sua existência terrena. Podem ser sonhos, mas geralmente representam a realidade do seu dia-a-dia. Falo dos caixões, claro! Nada como um caixão em forma de táxi para homenagear um taxista no seu funeral. Ou um em forma de peixe para quem passou a vida no mar. Depois há os mais inventivos, poder-se-ia dizer até de gostos mais duvidosos. O que levará alguém a querer que o seu cadáver baixe à terra embrulhado numa garrafa de Coca-Cola de madeira, eis um mistério para mim indecifrável.
A ideia destes curiosíssimos caixões ter-se-á expandido nos finais dos anos 40 do século anterior. Eram, inicialmente, privilégio dos chefes das tribos ga. Uma espécie de palanquins requintados. Em seguida, democratizaram-se. E simplificaram-se. A sua divulgação ficou a dever-se essencialmente a Kane Kwei e ao seu braço direito, Paa Joe, grandes obreiros das urnas à época. Em novembro do ano passado houve, em Acra, uma enorme exposição da obra de Paa Joe. A extravagância levada ao limite: caixões com a forma de Porsches, de sapatilhas Nike, de mulheres nuas, de máquinas fotográficas e de malaguetas e pimentos.
Na África ocidental há um fascínio incrível pelas grandes marcas do capitalismo. Nada como ser enterrado dentro de um Rolls-Royce para divulgar supimpa estatuto social. “No Gana gostamos de celebrar a morte”, revelou Paa Joe nessa altura. “Comemoramos a partida de quem nos é querido para a vida que se segue com todo o colorido e com todo o ruído possível.”
Compradores famosos
Paa Joe também não escondeu que tem sido procurado por grandes figuras internacionais que lhe encomendaram caixões. Por exemplo, Kofi Annan, antigo secretário–geral da ONU, e Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos da América. Só não tornou públicas as suas escolhas.
Maior construtor do Gana, com encomendas provenientes de toda a parte, Paa Joe fabrica uma média de dez caixões por semana. O preço médio de cada um ronda os 2 mil euros. Mas os mais requintados podem ir até aos 8, 9 e 10 mil euros, até porque são luxuosos por dentro, com todas as condições para os que se lançam na sua derradeira viagem. Além disso, o estatuto universal deste artista especial ficou marcado por exposições da sua obra no Centro Pompidou, de Paris, no Museu Britânico, em Londres, ou no Museu de Brooklyn, em Nova Iorque. “Acho que o meu trabalho é mais reconhecido no estrangeiro do que propriamente aqui no Gana”, lamenta-se Paa Joe. “Tenho por esta tarefa um respeito enorme, pois exemplifica uma visão única da morte. E espero continuar a receber pedidos de jovens com vontade de aprenderem aquilo que posso ensinar-lhes”.
Abebuu adekai: é assim que os ganeses lhes chamam. Às urnas tão distintas, como é óbvio. Feitas somente por encomenda, pelo que não é de esperar poder dirigir-se a uma loja e escolher por catálogo. São muitos os artistas que se dedicaram e dedicam a esta prática: Kudjué Affutu, Adjetey Anang, Erc Kpakko, Ataa Oko. A eles juntam-se, com frequência, pintores que se dedicam apenas a colorir as formas esculpidas na madeira. Trabalho coletivo, portanto.
As lojas de caixões encontram-se com facilidade nas estradas desse país com tanto em comum com Portugal e local onde se encontram os velhos fortes lusitanos da Costa do Ouro. É uma visão estranha mas, ao mesmo tempo, libertadora. Uma forma de brincar com a morte ou de não a levar demasiado a sério. Enterrar pessoas dentro de lagostas, esferográficas Bic, galinhas, cocos, gafanhotos, batatas semidescascadas ou aeroplanos da Ghana Airways não se limita a ser apenas um estranho ritual. Representa um traço cultural único e que sublinha uma diferença evidente. Além de se ter transformado, com o passar do tempo, numa das principais exportações do Gana.