Em visita prévia ao recinto, quando o NOS Alive se erguia da terra batida e tudo parecia vazio, com palcos carecas e música em silêncio, o organizador Álvaro Covões explicava ao i que, após o festival ter conquistado o conforto de esgotar todos os bilhetes com dois meses de antecedência, o desafio já não era crescer – nem os limites do recinto permitiriam essa veleidade –, mas sim criar o desejo para que, ano após ano, as pessoas voltem.
Os sete palcos, seis musicais e um de comédia, as especificidades de cada um e o anúncio prévio do calendário do próximo ano – em 2018, o NOS Alive volta no segundo fim de semana de julho, entre os dias 12 e 14 – traduzem sinais conhecidos há muito de que o planeamento se faz a longo prazo e também de que um evento desta ordem está muito para além dos seus limites espaciais e temporais.
Em ordem de grandeza, o festival foi esmagador a todos os níveis. Polarizou atenções de norte a sul e no exterior. Meio país esteve no Passeio Marítimo de Algés, o outro pelo menos não se importaria de ter estado. Os estímulos é que podem ser diferentes. E a edição deste ano refletiu ao detalhe as tensões entre a pressão social da internet e o desejo de escapar desta opressão de Primeiro Mundo, com a música a servir de escape.
Era comum os cabeças-de-cartaz gerarem algum tipo de consenso, ajuntamento massificado ou apetite melómano, mas nunca como na edição deste ano se sentiu o público sequioso de grandes êxitos. Música para as massas ou a fé e devoção dos fãs? Depeche Mode e Foo Fighters absorveram um pouco de ambas, mas o diálogo não foi pacífico. E The Weeknd, a voz dos grandes êxitos pop da era do streaming, também esteve longe de ser consensual, com um espetáculo visual previsível, repetições na forma de comunicar com o público e uma voz esticada até ao limite.
Nesse aspeto, o NOS Alive foi um caleidoscópio avançado da realidade, desde o amanhã da música portuguesa no Coreto, programado pela agência Arruada, até um palco de Clubbing, nem sempre dissociado da linguagem do palco maior, o que provocou na sexta-feira uma cacofonia ensurdecedora entre a vaga do rock de Lisboa e os fluxos de eletricidade recebidos do palco NOS, o maior do recinto, de bandas como The Cult e The Kills. Unir assim vontades, gerações, melómanos e adictos à internet é o maior desafio a quem programa um festival para tantos milhares.
Quando o concerto dos Depeche Mode acelerou no tempo e voltou a “Enjoy The Silence” e “Never Let Me Down Me Again”, uma parte do festival exultou. A outra acordou da letargia observada 24 horas antes nas duas horas e meio de concerto dos Foo Fighters. “Sabem que podíamos ficar aqui a noite toda”, declarou Dave Grohl, já depois de ter explicado que o regresso da banda ao festival tinha estado em risco devido a uma tempestade em Madrid. Os fãs aplaudiram, mas a frase trouxe à memória um outro concerto, dos Cure em 2012, quando recapitularam a carreira durante três intermináveis horas que ainda hoje devem estar para acabar.
Dessa noite, ficou também à vista que, para as novas gerações, o rock já não é fonte de juventude nem surte um efeito parecido com as primeiras edições do festival, quando Pearl Jam, Smashing Pumpkins, Rage Against The Machine ou Metallica serviram de isco. O riff inicial de “She Sells Sanctuary”, dos Cult, o hino da primeira geração radical portuguesa, foi reconhecido pelos pais e recebido com desconhecimento e indiferença pelos filhos.
Sim, no NOS Alive há famílias. Vinte e um mil estrangeiros este ano. Imprensa internacional, maioritariamente anglo–saxónica. Uma parcela da indústria musical. Um desfile de figuras públicas e personalidades construídas na internet. Há concertos para gostos variados, comédia para quem se quer sentar e rir. Fotos, selfies, vídeos, Instagram Stories e filtros do Snapchat. Em stands de algumas marcas, a música nem sempre tem correspondência com a pluralidade de orientações do cartaz. E tudo isto ajuda a explicar de que forma é vivido um festival atento à mudança, ano após ano a superar os limites colocados anteriormente, num mundo em transformação rápida.
A visão sobre um acontecimento deste impacto é sempre igual à de quem a vive. Não há duas respostas iguais para tantas escolhas múltiplas. As filas no acesso às casas de banho, o tempo de espera na restauração e a falta de zonas de repouso são críticas recorrentes. Por outro lado, a segurança não tem falhas.
Até há poucos anos era impensável que uma banda com a delicadeza dos xx saísse triunfal de um festival com estas características mas, prova da amplificação de vozes minoritárias, geraram raro consenso entre um mainstream de internet em atualização constante e a imensa minoria que o contesta.