Há quem o conheça como ‘O Curto’, outros como a ‘A Besta’ e outros ainda como ‘o patrão dos patrões’. Salvatore Riina tem hoje 86 anos e passou os últimos 24 numa cela isolada de uma prisão da cidade italiana de Bolonha, mas a reputação que criou entre 1974 e 1993, valeu-lhe o tenebroso rótulo de mais violento líder da máfia siciliana.
Na base das 13 condenações de prisão perpétua que recaem sobre os ombros de ‘Totò’ – um diminutivo do seu primeiro nome – está a responsabilidade pela morte de pelo menos 150 pessoas, sendo que 40 delas terão sido executadas pessoalmente. O modus operandi do chefe da Cosa Nostra e dos seus capangas, na hora de pôr fim a vidas humanas, atingiu níveis de brutalidade monstruosos quando aquele ordenou, já dentro da prisão, o assassinato por estrangulamento de um rapaz de 13 anos e a decomposição do seu cadáver em ácido, como forma de castigar o pai por ter colaborado com as autoridades.
Num interrogatório judicial de 2011, recuperado pelo Le Monde– a primeira vez que acedeu em colaborar com a Justiça, depois de anos a fio em silêncio – o mafioso não revelou sinais claros de que estaria arrependido pelos crimes cometidos. A sua principal fonte de preocupação durante toda a sessão não foi o sofrimento ou o sangue resultante das suas ações, mas antes a angústia de não saber quem o traiu. «Graças a Deus e à minha postura, pude ser um fugitivo durante 24 anos. Construí uma família, casei-me, tive filhos… Posso jurar diante de Deus e diante dos meus filhos que nem Provenzano [o seu sucessor à frente da máfia siciliana] sabia onde eu morava. Alguém tinha interesse em vender-me e prender-me», lamentou ‘Totò’ Riina, detido à luz do dia no centro de Palermo, em janeiro de 1992, ao volante de um carro banal, enquanto esperava que o sinal vermelho passasse a verde.
Embora a sombra da ‘Besta’ perdure na memória de muitos sicilianos e, particularmente, dos familiares dos que perderam a vida às suas mãos, o nome de Riina foi sendo abandonado, lentamente, das principais capas da imprensa italiana e internacional. Até ao passado mês de junho.
O velho mafioso foi diagnosticado com cancro terminal que, aliado a problemas sérios de coração e a uma fase adiantada da doença de Parkinson, contribuiu para o agravamento significativo do seu estado de saúde nos últimos anos, e decidiu pedir à Justiça um último desejo: poder morrer na sua residência de sempre, em Corleone.
Mais do que o pedido, que pode redundar num cenário de prisão domiciliária ou mesmo na suspensão do cumprimento da pena, foi a resposta do Supremo Tribunal de Justiça que causou ira e revolta junto dos familiares das vítimas do crime organizado e de diversos políticos italianos. Aquela instância judicial lembrou que «o direito a morrer com dignidade tem de ser garantido para qualquer preso», ordenou o Tribunal de Vigilância Penitenciária de Bolonha ao considerar o pedido de ‘Totò’ Riina – cuja defesa argumentava que, além do seu estado débil de saúde, o facto de viver há anos em isolamento total, vigiado 24 horas por dias pelas câmaras de segurança, deixando de ser uma ameaça.
«Não permitiremos que Riina regresse a Corleone», prometeu Carmelo Miceli, responsável máximo do Partido Democrático em Palermo. «As dezenas de vítimas, incluindo mulheres e crianças, que foram brutalmente mortas, e que deviam pesar na sua consciência, é que deveriam ter tido o direito de morrer com dignidade?», defendeu ainda o líder da Liga do Norte, Matteo Salvini.
Nascido em 1930, em Corleone – a pequena vila que se tornou famosa com o livro O Padrinho, de Mario Puzo (1969), e, principalmente, com a adaptação da história ao grande ecrã, pela mão de Francis Ford Coppola (1972) – Salvatore Riina foi detido pela primeira vez no final dos anos 60, mas um laborioso trabalho de bastidores, que incluiu subornos e ameaças a funcionários judiciais e testemunhas, resultou na sua absolvição. A detenção de Luciano Corleone, outro peso pesado da máfia, em 1974, ofereceu a ‘Totò’ a possibilidade de liderar o crime organizado na Sicília a seu bel-prazer, uma missão que levou a cabo alicerçada em perseguições, terror e morte.
O seu domínio daquela ilha italiana e o atropelo de crimes cometidos pela Cosa Nostra levou ao destacamento do general Carlo Alberto Dalla Chiesa, um herói dos tempos de combate às Brigadas Vermelhas, para o território em 1982.
O seu assassinato às ordens do ‘Curto’, passados menos de seis meses, consolidou a reputação infame do líder mafioso, que continuaria a escapar às autoridades por mais dez anos.
Em 1992, numa altura em já havia declarado «guerra ao Estado», Riina decidiu ordenar vários ataques contra figuras da Justiça italiana. Os magistrados Giovanni Falcone e Paolo Borsellino contam-se entre as dezenas de pessoas que perderam a vida, nesse ano, vítimas de ataques bombistas, e o seu desaparecimento deu origem a uma onda de indignação dentro da população siciliana e no resto de Itália, com contornos pouco vistos até aí. ‘Totò’ Riina vira a ser então detido três meses depois da morte de Borsellino, após mais de duas décadas de fuga à Polícia.
A sua detenção e condenação não travou, num primeiro momento, o ritmo das mortes encomendadas e dos assassinatos selvagens. Ao longo dos anos 90 ‘o patrão dos patrões’ continuou a liderar a máfia atrás das grades e mesmo tendo-se verificado uma redução brutal no número deste tipo de crimes, a partir dos anos 2000, muitos acreditam que o velho prisioneiro ainda lidera o crime organizado siciliano nos dias que correm.
Na hora de se pronunciar sobre a possibilidade de Riina poder vir a passar os seus últimos dias em Corleone, Salvatore Borsellino, irmão do magistrado assassinado, não esquece os seus crimes mais hediondos: «O tribunal deve ser relembrado que a pessoa que está à sua frente é a mesma que explodiu funcionários do estado em bocados e ordenou a dissolução de um pequeno rapaz em ácido».
Tem a palavra a Justiça de Bolonha.