O futuro de Michel Temer à frente da presidência do Brasil pode ser por estes dias periclitante – está dependente da decisão da Câmara dos Deputados para saber se será julgado devido às suspeitas de corrupção passiva -, mas a aprovação de uma das suas bandeiras políticas no Senado, na passada terça-feira, foi uma clara vitória da sua frágil liderança e uma impetuosa faca espetada no coração do país idealizado por Lula da Silva, continuado por Dilma Rousseff.
Fortemente criticada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelos movimentos sindicais e geradora de algumas das mais concorridas greves e manifestações do passado recente brasileiro, o texto da reforma laboral proposta pela coligação governamental que suporta a presidência de Temer foi aprovado na câmara alta do congresso, com 50 votos a favor, 26 contra e uma abstenção, numa sessão que durou mais de sete horas e que incluiu cortes de eletricidade como forma de protesto de alguns senadores. “Essa aprovação definitiva da proposta é uma vitória do Brasil na luta contra o desemprego e na construção de um país mais competitivo”, congratulou-se o chefe de Estado brasileiro, que sempre defendeu que a reforma se destinava a desburocratizar a legislação, nomeadamente no que toca aos processos de admissão e demissão de empregadores.
Embora não revoguem quaisquer direitos previstos na Constituição brasileira, as alterações legislativas redefinem algumas das normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, permitindo que muitas delas sejam passíveis de negociação entre patrão e empregado. Segundo a organização não-governamental Repórter Brasil, a possibilidade de prevalência de acordos coletivos de trabalho face às disposições da CLT, facilita, em última análise, medidas internas como o aumento das horas de trabalho até 12 horas diárias – até um máximo de 48 horas semanais -, a consequente redução das horas de descanso, a contratação com poucas restrições de trabalhadores independentes ou a redefinição daquilo que a lei define como um “ambientes de trabalho insalubre”.
Esta facilitação, referem alguns especialistas contactados pela ONG, podem vir a resultar no regresso do país aos tempos da escravatura. “As mudanças criam condições legais e permitem que a legislação banalize aquelas condições que identificamos como trabalho análogo ao escravo”, lamenta Luís Alexandre de Faria, auditor-fiscal de trabalho. Esta figura jurídica vem definida no Código Penal Brasileiro e depende da verificação de pelo menos um de seguintes elementos: condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida.
Maurício Ferreira Brito, responsável máximo pela Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho, alerta também para os riscos criados pela oficialização do “negociado sobre o legislado”, nomeadamente para a facilitação da contratação de intermediários e terceiros. “A nossa experiência no combate ao trabalho escravo mostra (…) que quem contrata [nestas condições] procura esquivar-se da responsabilidade”, afirma.
A reforma de Temer resultou ainda no fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, uma medida que as entidades de representação laboral veem como uma tentativa de enfraquecer os sindicatos brasileiros. “Os sindicatos devem manter-se pelo serviço que prestam aos seus associados e não pelas benesses do governo”, defende Nelson Mussolini, presidente do sindicato de representação da indústria farmacêutica, citado pela “Folha de São Paulo”.
Lula da Silva já garantiu que está “no jogo” e que a condenação decretada pelo juiz Sérgio Moro não o impedirá de se candidatar às presidenciais de 2018. A sua missão pessoal e partidária de defesa dos trabalhadores brasileiros focar-se-á, seguramente, na reforma de Michel Temer, caso seja habilitado a concorrer. O Brasil de Temer não é o Brasil de Lula. E o petista não vacilará em valer-se desse argumento como arma de arremesso.