Uma introdução de bolso a Marx, que suspeito ser a mais comum nos corredores do Parlamento, esclareceria bem o que se passou. Não só em Pedrógão Grande, não só em Tancos, mas em todo o país. Se o teórico comunista pretendia o domínio total do Estado por um partido para depois anular de todo o Estado, o Governo de António Costa assim reproduziu.
Para este Executivo do PS, o Estado tem que garantir tudo ao Governo (e ao Partido Socialista) e o Governo nada tem que garantir ao Estado; portanto, aos cidadãos. Os contribuintes vivem assolados pelo valor mais elevado de impostos da história democrática, diz a Pordata, e os utentes dos serviços públicos viram Costa quase duplicar as cativações de 2015 para 2016. O que significa que o Estado nunca tirou tanto, dando tão pouco.
Na Proteção Civil, o primeiro-ministro nomeou uma chefia por simpatia pessoal e contra recomendação das Forças Armadas. Os comandantes substituídos revelaram à RTP que os «melhores operacionais foram afastados para dar lugar a boys do PS». No caso da chefia escolhida por Costa, que já havia liderado os bombeiros de Lisboa quando este esteve na Câmara Municipal, tanto a filha como a mulher também têm lugar no aparelho socialista. E se consigo compreender a necessidade de confiança em cargos políticos, não compreendo como é que se nomeia um coronel para dar ordens a generais em operações que não podem falhar – como falharam em Pedrógão. Para o Governo, a tragédia deu-se primeiro por um downburst que agora se sabe nem ter ocorrido na área. E não é só aí que a palavra antes dada perdeu depois o seu valor.
O caso dos secretários de Estado estava «encerrado» em 2016, mas levou-os à demissão em 2017. A candidatura à Agência Europeia do Medicamento era para Lisboa em junho, mas afinal foi para o Porto em julho. A maioria era «estável e duradoura» na sua fundação, mas as posições conjuntas já não interessavam para a TSU e o Orçamento aprovado, segundo o Bloco de Esquerda, não é o Orçamento executado. A solução de governo existia como «alternativa», mas a austeridade não reduziu um milímetro porque, ao contrário do que se pensa em São Bento e em Belém, a austeridade não é inversamente proporcional ao número de selfies.
Como é que um governo mais focado em testes de popularidade do que em apuramento de responsabilidades – que, sim, vai além da ‘troika’ e da meta do défice e que, sim, fez um verdadeiro ‘enorme aumento de impostos’ – se mantém impune?
Como é que um governo que nunca teve legitimidade eleitoral sobrevive após perder a legitimidade parlamentar (ignorando as posições conjuntas) e após perder a legitimidade política, não conseguindo ‘alternativa’ nenhuma?
A questão, repetidamente colocada, sobre a maternidade do engodo não tem resposta fácil.
A este jornal, alguém um nadinha mais transparente que o próprio, disse que qualquer um faria o que Costa fez para governar. Nesse sentido, eu também não perco muito tempo a culpar o primeiro-ministro, apesar de não entender que o seu debate da Nação se resuma a mudar de rede telefónica.
Há, sim, um presidente da República que preferiu a presidência à República. E a popularidade, ou o choradinho para as câmaras, não trazem 64 vidas de volta.