A ordem de detenção preventiva de Ollanta Humala, decretada na passada quinta-feira à noite, engrossou ainda mais a lista de antigos Presidentes peruanos que arriscam passar os próximos anos atrás das grades. Tirando desta equação o caso de Alberto Fujimori – que se encontra preso pelos crimes de abuso de poder e violação de direitos humanos [ver caixa] -, são já três os nomes que integram a referida lista. Todos estão envolvidos em suspeitas de corrupção e de lavagem de dinheiro, ocorridas durante o período em que exerceram o mais alto cargo político do Peru, e de todos é sugerida uma ligação delituosa com a construtora brasileira Odebrecht, uma das empresas esquadrinhadas pela Operação Lava Jato.
Alejandro Toledo – Presidente do país andino entre 2001 e 2006 – escapuliu-se para os Estados Unidos em fevereiro deste ano, para evitar ser detido pela justiça, que o acusa de ter recebido 20 milhões de dólares (cerca de 17,4 milhões de euros) de suborno da Odebrecht, em troca de dois contratos de concessão de autoestradas de ligação entre o Peru e o Brasil.
Já Alan García – chefe de Estado entre 1985 e 1990 e entre 2006 e 2011 – também está a ser investigado por suspeitas de aceitação de subornos da construtora, cujos executivos já admitiram ter financiado campanhas eleitorais suas. Para além dos dois antigos Presidentes, soma-se ainda o caso de Keiko Fujimori – filha de Alberto Fujimori e candidata às eleições de 2011, perdidas para Humala – que também está a braços com um inquérito que envolve suspeitas de lavagem de dinheiro, igualmente alicerçadas na investigação à Odebrecht.
Tudo parece indicar que foi a má experiência com Toledo que levou o juiz Richard Concepción a ordenar a detenção preventiva de Humala e da mulher, Nadine Heredia – que também integra o Partido Nacionalista Peruano (PNP) -, pelo período de 18 meses. A apresentação da acusação pelo Ministério Público teve início na quarta-feira à noite e foi retomada no dia seguinte à tarde. Foi durante essa segunda sessão que o magistrado sentiu haver um sério risco de fuga do homem que liderou o Peru entre 2011 e 2016, principalmente após ouvir o procurador Germán Juárez, que investiga o casal há mais de dois anos. A prisão preventiva foi então a forma encontrada para precaver essa situação e, de acordo com a justiça, para permitir a continuação das investigações. Em anexo à ordem de detenção foi igualmente emitido um mandado internacional de captura imediata, que acabou por não ser acionado.
Tal como nos casos de Toledo, García – e Keiko Fujimori – a acusação baseia-se, em grande medida, na delação premiada de Marcelo Odebrecht, que garante ter subornado Humala e Heredia com três milhões de dólares, através do financiamento das campanha presidenciais do PNP, de 2006 e 2011. De acordo com o empresário, entre 2005 e 2014, foram ‘transferidos’ cerca de 29 milhões de dólares para os bolsos dos três Presidentes que governaram o Peru durante esse período.
Ollanta Humala e Nadine Heredia dizem-se alvo de «perseguição política» e, citados pelo jornal argentino Página 12, catalogaram a ordem de prisão como «abusiva» e «surpreendente». Ainda assim, fizeram questão de demonstrar que seguir os passos de Toledo nunca foi algo que passou pelas suas cabeças, e na quinta-feira à noite (madrugada de sexta-feira em Portugal continental) abandonaram a sua casa, em Lima, e entregaram-se à justiça, num gesto de cooperação com as autoridades. Para além disso, publicaram mensagens nas respetivas contas de Twitter, reforçando essa intenção. «Apesar da arbitrariedade, estamos aqui, acreditamos que esta decisão vai ser revertida. Confiamos na lei!» escreveu Heredia. «Esta é a confirmação do abuso de poder ao qual iremos fazer frente, em defesa dos nossos direitos e dos direitos de todos», publicou, por sua vez, o antigo Presidente.
A Odebrecht está no centro de um dos incontáveis eixos da Lava Jato, a mais complexa investigação de corrupção da História do Brasil, mas a sua atuação vai muito para além das fronteiras daquele país. Segundo a Globo, atuais e antigos executivos da construtora admitiram à justiça o pagamento de mais de 780 milhões de dólares em subornos, entre 2001 e 2016, distribuídos por políticos, partidos, empresários e funcionários públicos, espalhados por 12 países: Angola, Argentina, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela. «É o maior caso de suborno internacional da História», descreve o Departamento de Justiça dos EUA, um dos diversos organismos judiciais envolvidos nas investigações.