Na manhã do dia 24 de maio o site da Agência de Notícias do Qatar publicava um conjunto de declarações incendiárias, atribuídas ao emir Tamim bin Hamad al-Thani, nas quais elogiava a “potência islâmica” do Irão e o Hamas e criticava sauditas e seus aliados. Quarenta e cinco minutos volvidos da publicação, Doha catalogava o conteúdo das declarações como falso. Ao mesmo tempo, o canal de YouTube e a conta de Twitter da agência noticiosa qatari voltavam a partilhar o testemunho do emir. A pequena monarquia absoluta insistia que estava a ser alvo de um ataque informático. Mas a Arábia Saudita pouco se importou com a justificação. Noticiou vezes sem conta as ditas declarações nos seus meios de comunicação e convidou os Emirados Árabes Unidos (EAU), o Egito e o Bahrein a fazer o mesmo. Passados poucos dias, os quatro aliados anunciaram corte de relações com o Qatar, acusando-o de financiar grupos terroristas, e inauguraram uma crise diplomática dramática no Golfo Pérsico.
Ora no domingo à noite o “Washington Post” citou diversos funcionários dos serviços de Inteligência dos Estados Unidos – que falaram sob condição de anonimato – para noticiar que a responsabilidade dos ataques informáticos contra os sites e redes sociais pertencentes ao governo do Qatar foi pensado, preparado e coordenado pelo executivo emiradense, e teve como objetivo a identificação de um pretexto para voltar a desenterrar ódios antigos e encostar o Qatar à parede. A única dúvida que os EUA teriam, é a de saber se os referidos ataques foram realizados por hackers dos Emirados ou se se contratou alguém para os levar a cabo.
Yousef al-Otaiba, embaixador dos EAU nos Estados Unidos, reagiu rapidamente à notícia do daquele jornal norte-americano através de um comunicado, no qual rotulou como “falsas” as suas alegações. “Os EAU não tiveram qualquer papel no alegado ataque informático descrito no artigo. A única verdade é o comportamento do Qatar: financiamento, apoio e viabilização de extremistas talibãs para o Hamas e [Muammar al-]Gaddafi, incitamento à violência, encorajamento à radicalização e comprometimento da estabilidade dos seus vizinhos”. Posição semelhante foi tomada hoje pelo ministro de Estados dos Negócios Estrangeiros emiradense, Anwar Gargash, em declarações à BBC.
A reação de Doha veio igualmente na forma de um comunicado e realça que a notícia do “Washington Post” é uma “prova inequívoca” de a ocorrência de um “crime de hacking”. “Este ato criminoso representa uma clara violação e incumprimento do direito internacional e dos acordos bilaterais e coletivos assinados pelos Estados-membros do Conselho de Cooperação do Golfo”, pode ler-se na mensagem partilhada esta segunda-feira pelo gabinete de comunicação do governo emiradense, que promete “medidas legais” contra os EAU.
O impacto da publicação das declarações atribuídas ao emir qatari precisamente no mesmo dia em que Donald Trump abandonava Riade, depois de uma cimeira que juntou mais de 50 líderes políticos muçulmanos e onde se amaldiçoou insistentemente o Irão, foi gigantesco e levantou suspeitas sobre um eventual beneplácito do presidente dos EUA à decisão dos Estados árabes em virar as costas ao Qatar. Tais conjeturas ganharam ainda mais força quando o próprio Trump se fez valer do Twitter para se congratular com a decisão da Arábia Saudita e seus aliados. “Eles disseram que iriam ser duros contra o financiamento do extremismo e todas as referências apontavam para o Qatar”, tweetou o líder norte-americano.
A notícia do “Post” promete colocar ainda mais gasolina numa fogueira que, ao que tudo indica, continuará bem viva durante os próximos tempos. A rejeição de Doha, no início do mês, da lista de 13 exigências apresentada por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Bahrein – que incluíam o fim da Al-Jazeera, o encerramento de uma base militar turca em solo qatari, o refreamento das relações com o Irão, o corte absoluto de laços com organizações terroristas e o pagamento de indemnizações pelas políticas do Qatar dos últimos anos – confirmou a postura irredutível do governo qatari e a certeza de que a crise no Golfo está para durar.