São poucos os políticos britânicos ou europeus que podem gabar-se de ter sete vidas, como pode Theresa May. Já depois do longo e controverso processo que culminou, no final do mês de março, na formalização do pedido de saída do Reino Unido da União Europeia – nos termos do artigo 50º do Tratado de Lisboa e tendo em conta a decisão inédita de 51,9% dos participantes no referendo ao Brexit, há pouco mais de um ano –, que desgastou duramente a sua imagem, a primeira-ministra ainda perdeu a maioria de 17 deputados que o Partido Conservador tinha na Câmara dos Comuns, viu um Labour Party em tumulto interno e atrasado em 20 pontos percentuais renascer das cinzas, e foi obrigada a pedir ajuda aos unionistas norte-irlandeses ultraconservadores do DUP para poder formar um governo minoritário. Tudo isto no seguimento de uma eleição originalmente convocada para reforçar a sua legitimidade política.
Qualquer um dos episódios acima descritos teria abatido o mais consagrado dos dirigentes políticos – que o diga David Cameron, obrigado a sair pela porta pequena confirmada a opção dos britânicos pelo “leave”. Mas não May. A líder do executivo já prometeu que vai liderar o abandono dos britânicos da União, que é a essa missão que dedicará todo o seu foco e que é isso que a faz agarrar-se como pode ao nº 10 de Downing Street, independentemente das críticas externas e internas.
Foram precisamente as reprovações à sua frágil liderança oriundas de algumas fações dentro dos tories que a levaram a repreender ministros, secretários de Estado e deputados de Westminster, nos últimos dias.
Tudo terá começado com a publicação de declarações atribuídas ao chancellor – ministro das Finanças, na maioria dos países europeus – no passado domingo, no “Times”, aparentemente proferidas numa reunião com os restantes membros do executivo, nas quais Philip Hammond defendia, entre outras coisas, que os funcionários públicos britânicos recebiam “mais do que deviam”. Mais prejudicial para May, de um ponto de vista do apoio interno, foram possivelmente os esclarecimentos apresentados pelo próprio. Hammond insinuou que alguns colegas de governo “não estão contentes com a agenda” que definiu para o Brexit e sugeriu que seria “mais vantajoso” se aqueles se “focassem no trabalho que está em curso”.
Foi esta a mensagem que a primeira-ministra levou aos deputados conservadores da Câmara dos Comuns, na segunda-feira, na habitual festa que antecede a pausa de verão no trabalho parlamentar em Westminster. May terá exigido o fim das “calúnias” e “críticas” ao trabalho do governo e apresentado um cenário alternativo curioso, caso o ambiente crispado se mantenha dentro do partido tory: “A escolha é entre mim ou Jeremy Corbyn [líder do Partido Trabalhista]. E ninguém o quer”.
Se na segunda foram os deputados a ser admoestados pela líder do Partido Conservador, hoje foi a vez do núcleo duro de Theresa May – leia-se o governo – sentir a sua ira. A comunicação social britânica noticia que a primeira-ministra instou os membros do executivo a pararem de vez com o vazamento de conversas privadas para a imprensa e exigiu unidade. “Necessitamos de demonstrar força e unidade enquanto país e isso começa à volta desta mesa”, terá dito May.
Esta postura foi publicamente defendida esta terça-feira por alguns membros de topo do Partido Conservador. Em declarações à Sky News, a responsável pela pasta dos Assuntos Internos, Amber Rudd, legitimou as repreensões de May e defendeu que todos os representantes políticos tories têm a obrigação de “fazer o trabalho que lhes foi solicitado”. Já o deputado e vice-presidente do grupo parlamentar tory, Charles Walker, sugeriu, numa entrevista à BBC, que a “grande maioria” dos conservadores apoiaria eventuais “afastamentos” dos ministros que “apenas estão focados nas suas ambições pessoais”.
De acordo com o “Guardian”, um grupo de tories terá mesmo posto a circular uma carta de no confidence – equivalente a uma moção de censura, mas a nível exclusivamente partidário – à chefia de May. O documento dificilmente reunirá as 48 assinaturas necessárias para espoletar uma votação interna nesse sentido – correspondentes a 15% dos parlamentares conservadores –, mas isso não significa um apoio incondicional à líder do governo. Citado por aquele diário britânico, um deputado que preferiu manter o anonimato garantiu que “provavelmente assinaria” a carta se alguém “credível” avançasse, como por exemplo David Davis, secretário de Estado para o abandono da UE.
Theresa May já demonstrou que não cai, nem cede, facilmente e a existência de pequenos focos de rebelião dentro do seu partido dificilmente a farão mudar de rumo. Mas enquanto para lá do Canal da Mancha de discutem arrufos e quezílias internas, o relógio de Bruxelas não para. E o Brexit já esteve mais longe.