“Não vou ser lixado por isto!”, terá garantido um exaltado general Pierre De Villiers, numa comissão parlamentar realizada à porta fechada na semana passada, de acordo com os testemunhos dos deputados presentes ao “Le Monde”. Dito e feito. O responsável máximo pelas poderosas e consagradas Forças Armadas francesas passou das palavras aos atos e apresentou a demissão esta quarta-feira, deixando ao seu sucessor a tarefa de gerir um orçamento de Defesa que tem vindo a minguar nos últimos três anos.
O “isto” a que o militar de 60 anos se referia foram precisamente os cortes estimados em cerca de 850 milhões de euros que Emmanuel Macron quer levar a cabo, ainda durante este ano, na sua missão de reduzir a despesa pública e conter o défice, e que equivalem a 2,6% do bolo total aprovado pelo seu antecessor no Palácio do Eliseu.
O novo presidente da República Francesa até prometeu aumentar os gastos militares a partir de 2018: de acordo com o que vinha estipulado no seu programa eleitoral, o orçamento de Defesa equivalerá a 2% do PIB francês em 2025, calculado em cerca de 50 mil milhões de euros – atualmente encontra-se nos 1,8%. Mas os cortes previstos para 2017 não estavam nos planos de De Villiers, que acabou por se envolver num inédito e insólito bate-boca com o chefe de Estado, nos últimos dias.
A resposta de Macron à fúria revelada pelo general na comissão parlamentar foi dada na passada quinta-feira. Num discurso no ministério da Defesa e perante os mais altos responsáveis militares do país o presidente fez questão de relembrar que a chefia do exército é da sua responsabilidade e deixou algumas indiretas a De Villiers. “Agradam-me o sentido de dever e o sentido de discrição que levaram o nosso exército a tornar-se naquilo que é hoje em dia. Mas aquilo que tenho dificuldades em tolerar em alguns setores, tolero ainda menos no que toca às nossas forças armadas”, alertou Macron, citado pelo “El País”.
Àquelas palavras, às declarações de De Villiers no parlamento e ao artigo de desalento, assinado pelo general, que o “Figaro” publicou no mesmo dia em que o próprio, por ocasião das celebrações do Dia da Bastilha, desfilou com Macron pelos Campos Elísios, definiram então o trilho para uma saída que a imprensa francesa começou a catalogar como inevitável, no início desta semana.
“Nas atuais circunstâncias, considero que não estou em condições de assegurar a continuidade do modelo de exército em que acredito, para garantir a proteção de França e dos franceses, e para apoiar as ambições do nosso país, hoje e amanhã”, explicou o agora ex-chefe das Forças Armadas, num comunicado divulgado hoje, na hora de confirmar a apresentação do pedido de demissão – o primeiro desde que o cargo foi criado em 1962.
O general acredita que a redução do orçamento definido para este ano põe em causa a sustentabilidade das operações militares em curso, nomeadamente aquelas que se desenrolam fora de portas. No artigo publicado no “Figaro”, na passada sexta-feira, o militar informava que, atualmente, há mais 30 mil soldados franceses destacados em missões no exterior, que incluem, por exemplo, os conflitos armados na Síria, no Iraque e no Mali.
Por entre as críticas da esquerda e da direita à forma como geriu este dossiê sensível, Emmanuel Macron decidiu aceitar o pedido de demissão de De Villiers e arranjou rapidamente um substituto. Com experiência nas guerras balcânicas e na luta contra os movimentos extremistas islâmicos que ameaçam a região do Sahel, o general François Lecointre, de 55 anos, será oficializado no cargo hoje à tarde.