Supercidades erguidas de raiz, montanhas esburacadas ou simplesmente afastadas para passarem autoestradas, oleodutos e caminhos-de-ferro com milhares de quilómetros, um porta-aviões 100% nacional a caminho e planos para a escavação de um canal que cortará a Nicarágua de um lado ao outro e rivalizará com o já extravagante canal do Panamá. São apenas alguns – poucos! – dos projetos megalómanos a que a China tem dedicado a sua atenção nos últimos tempos e que, uma vez finalizados, contribuirão certamente para alterar o peso dos pratos na balança de distribuição do poder à escala global, num futuro não assim tão longínquo.
O estatuto de país mais populoso do globo e o crescimento económico pujante, ainda que em ligeira desaceleração, aliados a uma política autoritária, iliberal e orientada para o interesse maior do coletivo sobre o indivíduo – muito conveniente na hora de distribuir recursos e estabelecer prioridades de ação -, oferecem ao gigante chinês condições únicas para continuar a investir mais do que os outros e nos mais variados setores e para se assumir como o mais inovador e emergente player mundial.
Aos sucessos económicos além-fronteiras, a China tem somado investimentos sérios em diversas outras áreas, nomeadamente a militar. O Liaoning – uma embarcação construída a partir de um velhinho porta-aviões ucraniano, comprado em 1998, e transformado definitivamente em 2012 – receberá, em 2020, a companhia do referido porta-aviões de fabrico próprio, e no Djibuti começa a desenhar-se a primeira base militar chinesa no estrangeiro. Para além disso, o Exército da Libertação cresce em número de soldados de dia para dia, os navios de guerra e submarinos chineses aventuram-se cada vez mais em águas remotas e as despesas militares da China preparam-se para ultrapassar, num futuro próximo, o equivalente aos orçamentos de Defesa agregados de todos os Estados-membros da União Europeia.
Potência científica
Enquanto o Partido Comunista da China lança as bases para uma expansão económica e militar ambiciosa, há, no entanto, um outro setor para onde têm sido canalizados milhões e milhões de yuans: a ciência. A China sabe que nunca poderá tornar-se uma superpotência se não olhar para quem lhe faz sombra: os EUA. E um dos caminhos definidos por Pequim para tentar ombrear com os norte-americanos é procurar alcançá-los no trilho científico.
O investimento tem sido astronómico, particularmente no recrutamento. A Academia Chinesa de Ciência e diversas universidades do sul do país criaram programas, bolsas de investigação, revistas científicas e concursos onde se paga a peso de ouro, especificamente direcionados para atrair cientistas formados na Europa e nos EUA, nas mais diversas áreas, como a ciência espacial, a física, a medicina ou a bioquímica.
Num artigo de opinião publicado no “Washington Post”, Robert Gebelhoff dá o exemplo do aumento extraordinário da investigação chinesa na área da biomedicina. O jornalista faz referência a um estudo da revista “JCI Insight” para demonstrar as aspirações de Pequim a tornar-se a próxima potência científica, destacando que, em 2000, a China gastava em investigação biomédica o equivalente a 12% do investimento norte-americano e, em 2015, aqueles gastos já se aproximavam dos 75%. “Os EUA ainda não perderam o estatuto de líderes no campo da investigação científica, mas o ritmo a que a China está a investir nos seus cientistas deixa-a muito bem posicionada para poder ultrapassar os gastos americanos em investigação num futuro próximo”, vaticina Gebelhoff.
Inovação e sucesso
Este investimento vigoroso na ciência já começa a dar resultados, particularmente no campo espacial. Em agosto do ano passado, a China estreou o primeiro satélite de comunicações quânticas e recentemente completou, com sucesso, o "teletransporte" de uma partícula de fotão, do solo para o espaço, numa distância de 1400 quilómetros. A utilização das aspas justifica-se por não se ter tratado da verdadeira transmissão de uma coisa física, mas da comunicação do seu estado, através do intricado fenómeno do entrelaçamento quântico, verificado quando duas partículas são criadas ao mesmo tempo e no mesmo espaço e, nesse sentido, partilham uma existência comum. “Foi uma experiência muito boa. Não esperava que tivesse funcionado tudo de forma tão rápida e suave”, confessou à BBC Anton Zeilinger, professor da Universidade de Viena e mentor do cientista chinês que está à frente das investigações no campo da física quântica.
A experiência bem-sucedida, ainda que embrionária, permite à China encarar com otimismo a intenção de criar um sistema de comunicação de mensagens encriptadas, intocáveis e impossíveis de serem objeto de espionagem, que prevê completar por volta do ano de 2030. O professor Ian Walmsley, da Universidade de Oxford, acredita que a criação de uma rede quântica poderá ser o futuro na transmissão de informações financeiras confidenciais ou eleitorais. “Ainda há barreiras significativas a ultrapassar, mas é [com estas experiências] que a mudança começa”, lembra.
Ainda no campo espacial, a China tem planos estabelecidos para iniciar a construção da sua estação espacial tripulada em 2019 e, se tudo correr como planeado, torná-la 100% operacional em 2022. De acordo com “The Observer”, o orçamento espacial anual chinês é de cerca de 6 mil milhões de dólares (cerca de 5,1 mil milhões de euros), mais mil milhões que o investimento anual russo mas, ainda assim, menos 34 (!) mil milhões que o americano. A discrepância entre os gastos americanos e chineses não se repercute de forma proporcional, no entanto, no número de lançamentos espaciais por ano. Em 2013, os EUA lograram 19 lançamentos bem-sucedidos e a China 14, números que mostram o esforço de Pequim para tentar ombrear com Washington.
Citado pelo “Guardian”, Wang Chi, do Centro Nacional de Ciência Espacial chinês, revela que a “ciência está a tornar–se cada vez mais importante no programa espacial da China” e diz que Pequim está decidida a “contribuir para o conhecimento humano sobre o universo”. “Ainda não estamos satisfeitos”, garante o cientista.
A aspiração chinesa à liderança no campo científico é, portanto, perfeitamente legítima, tendo em conta o investimento massivo que está a fazer. Enquanto a economia continuar a crescer, os essenciais recursos energéticos continuarem a vir do exterior e o partido único continuar a manter o controlo de todos os aspetos da sociedade, indústria e finança do país, Pequim prosseguirá com a apresentação de experiências inovadoras e bem-sucedidas, e caminhará passo a passo até ao topo no que àquele setor diz respeito. Mas a expansão do negócio obriga igualmente à criação de condições mínimas para o conseguir defender – leia-se, exércitos, bases militares, meios aéreos, marítimos e terrestres e, claro, aliados. E embora o projeto militar para o Djibuti seja ambicioso e o número de porta-aviões esteja prestes a duplicar, a China ainda tem muito que caminhar para se tornar uma potência capaz de refletir e defender os seus interesses pelos quatro cantos do mundo. Será esse o seu grande desafio e a verdadeira inovação que terá de granjear. E Washington não dorme.