As universidades e laboratórios têm vindo a contratar de forma “abusiva e irregular” bolseiros de doutoramento para, de forma “precária”, desempenharem várias funções, como dar aulas. A análise é do provedor de Justiça, José de Faria Costa, que recomenda ao ministro da Ciência e do Ensino Superior, Manuel Heitor – através de um parecer ontem divulgado –, que seja revisto e “aperfeiçoado” o Estatuto do Bolseiro de Investigação, sobretudo em quatro pontos.
Um dos pontos passa pelo reforço das sanções aplicadas “pelo incumprimento da proibição de contratação de bolseiros para satisfação de necessidades permanentes dos serviços”, lê-se no documento. Outro será “assegurar efetivos meios de controlo, preventivo e sucessivo, da regularidade dos planos de atividades adotados e executados ao abrigo de contratos de bolsa”.
Além disso, o provedor entende que devem ser definidas “as consequências jurídicas de uma eventual declaração de invalidade dos contratos celebrados, acautelando a posição dos bolseiros abusivamente contratados para assegurar necessidades permanentes”.
A última recomendação de José de Faria Costa passa por “limitar os poderes próprios das entidades de acolhimento no âmbito da organização e disciplina das atividades desenvolvidas pelos bolseiros”.
As recomendações do provedor foram enviadas ao governo depois de ter analisado uma queixa enviada pela Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) com “diversas” situações a denunciar a contratação “precária” dos bolseiros por parte das instituições públicas. No parecer são publicados vários anúncios de oferta de concursos para bolseiros emitidos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, entidade que gere a atribuição das bolsas, que José de Faria Costa considera “serem representativos do uso abusivo do regime de bolsas de investigação. Em alguns dos casos, o bolseiro a contratar iria, na realidade, exercer funções de assessoria e secretariado, de gestão financeira e de tesouraria ou de apoio a aulas práticas.
Cinco anos sem fiscalização
O cenário de “abuso” no recurso à contratação de bolseiros resulta da inexistência de “quaisquer ações de fiscalização e aplicações de sanções” às entidades públicas nos últimos cinco anos, considera José de Faria Costa. Nos planos de ações da Inspeção-Geral da Educação e Ciência e da Fundação para a Ciência e Tecnologia não consta qualquer ação inspetiva neste sentido, alerta o provedor.
O parecer salienta ainda que, nos últimos anos, “não foram igualmente apresentadas denúncias” às entidades competentes – o que não “surpreende” José de Faria Costa, “já que a ser detetada a celebração abusiva de um contrato de bolsa” para ocupar um cargo de forma permanente, como dar aulas, ela terá como principal consequência a “declaração de nulidade do contrato celebrado”, sanção que “recairia sobre o próprio bolseiro”.
E estes, sublinha José de Faria Costa, “são jovens altamente classificados que, na ausência de ofertas adequadas de emprego, encontram nas bolsas de investigação a oportunidade de se manterem ligados às instituições ou às respetivas áreas de investigação e obterem algum rendimento, ainda que em condições precárias”, lê-se no documento.