Jerusalém. Dores de uma ocupação mal disfarçada

A ONU teme que a violência expluda caso as tensões na Cidade Velha não fiquem resolvidas até sexta. Israel tirou os detetores de metal da entrada para o Pátio das Mesquitas, mas as novas câmaras ainda estão lá. Assim como o rastilho de novos confrontos

A única religião a quem é permitido rezar no local mais sagrado de Jerusalém escolhe, por estes dias, não o fazer. Há uma semana que dezenas e centenas de muçulmanos se reúnem cinco vezes ao dia no exterior dos muros que guardam alguns dos mais valiosos símbolos das três religiões abraâmicas. E é lá que rezam, fora dos portões que dão acesso a um sítio que não tem nome certo e a que os judeus chamam Monte do Templo e os muçulmanos designam como Santuário Nobre ou Pátio das Mesquitas. Fazem-no de frente para os soldados israelitas de patrulha e, por mais de uma semana, fizeram-no diante dos detetores de metais que provocaram o protesto. O governo retirou ontem os detetores, não tanto pelas rezas pacíficas no exterior do pátio como pelas manifestações violentas que, na última semana, fizeram quase dez mortos e dezenas de feridos, não só nos territórios palestinianos ou em Israel, mas também na Jordânia e Turquia, por exemplo.

Os detetores de metal foram–se ontem, é verdade, mas as manifestações, não. No lugar das portas de controlo estão agora sofisticadas câmaras de vigilância e reconhecimento facial que tocam na mesma ferida árabe e podem causar manifestações tão ou ainda mais violentas do que as do último fim de semana. Na segunda-feira, as Nações Unidas lançaram um alerta com tom de ultimato. Se o governo israelita não resolver as reivindicações que causaram o mais recente ciclo de violência até às grandes orações de sexta-feira, a crise pode agravar-se. “Com custos potencialmente catastróficos e bem para além das muralhas da Cidade Velha”, explicou o enviado da ONU para o Médio Oriente, Nickolay Mladenov. Ontem, palestinianos prometiam continuar os protestos apesar de terem sido retirados os detetores de metal. O presidente turco dizia a todos os muçulmanos que se dirigissem ao Pátio das Mesquitas e que o protegessem. As queixas são agora as câmaras e o relógio está a contar.

As orações de protesto, os controlos de segurança e as mortes têm a sua raiz mais recente em 14 de julho, dia em que três árabes de Israel mataram com espingardas automáticas dois polícias que patrulhavam o Pátio das Mesquitas. O governo israelita começou por vedar o acesso à tira de terreno com cerca de meio quilómetro de comprimento e, em dois dias, instalou detetores de metal nas suas entradas. A paz no Médio Oriente é frágil e os controlos de segurança tocaram num ponto sensível. Na sexta-feira, em manifestações que se seguiram às grandes preces semanais muçulmanas, três palestinianos foram abatidos por forças de segurança israelitas. Nesse mesmo dia, um jovem palestiniano invadiu a casa de uma família de colonos judeus na Cisjordânia. Estava armado com uma faca, matou três pessoas e foi travado por um polícia que o atingiu por uma janela. No sábado, um quarto jovem muçulmano morreu em protestos, e no domingo, em Amã, um jordano morreu ao tentar esfaquear um segurança da embaixada israelita.

Ocupação

Não bastam as raízes mais recentes da violência para entender os confrontos da última semana e meia. Erguer controlos no Pátio das Mesquitas não é como construir a enésima barreira de betão em territórios palestinianos ou mais um colonato judeu na Cisjordânia. Em causa está o terceiro local mais sagrado no islão, onde o Corão diz que Maomé aterrou ao fim de uma milagrosa viagem no dorso de um cavalo alado, e de onde foi aos céus para receber de Alá os principais pilares da religião. Em teoria, o controlo do Pátio das Mesquitas está entregue a um conselho jordano. Mas na prática, como muito do que acontece na região, o domínio real cabe ao governo israelita. Nada representa melhor e tão nitidamente a ocupação israelita de Jerusalém Leste que se seguiu à guerra de 1967 do que os soldados no Pátio das Mesquitas. Instalar controlos de segurança é tocar numa ferida ainda mais vasta do que a da autodeterminação palestiniana. “É a parte da luta palestiniana num romance universal com os muçulmanos e que se estende até Marrocos”, diz Hussein Ibish, historiador do Comité Americano para a Palestina, em declarações à revista “Atlantic”.

O governo israelita agiu unilateralmente na instalação de novas medidas de segurança e sem consultar o Awqaf, o conselho jordano que faz a gestão do local. A máscara de um controlo muçulmano sobre o Pátio das Mesquitas caiu, como quando Benjamin Netanyahu encerrou temporariamente o Pátio das Mesquitas em 2015, durante a grande onda de violência que nesse ano quase se tornou uma terceira Intifada. É uma “declaração de guerra”, lançou então Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestiniana. “Vamos vingar al-Aqsa com sangue”, gritavam no último fim de semana os palestinianos em protesto, falando sobre a mesquita sagrada do pátio, onde alguns judeus dizem que Salomão construiu o primeiro templo – não é certo, e por isso o Supremo Tribunal israelita proibiu as preces no local – e os cristãos dizem que foi lá que Deus juntou o pó de que fez Adão e Eva. A comunidade internacional e a ONU são claras: a ocupação israelita é ilegal e qualquer medida tomada a sós pelo governo israelita pode incendiar os ânimos para além do controlo. A simples presença de soldados de Israel é uma memória constante da ocupação israelita da Cidade Velha de Jerusalém. As câmaras tornam-na intolerável. “Quero entrar na al-Aqsa e sair quando me apetecer, quem são eles para me vigiarem’?”, queixava-se ontem um palestiniano à Al-Jazira.