Os dois maiores governos concorrentes na Líbia do pós-guerra concordaram ontem em realizar eleições “o mais cedo possível” e obedecer a uma trégua entre as suas forças no terreno. O acordo foi anunciado quase de surpresa em Paris, ao concluir-se um encontro que o governo francês tentou manter em segredo, reunindo o líder do executivo reconhecido pelas Nações Unidas e comunidade internacional e o general cujas forças controlam o leste do país. “Comprometemo-nos a um cessar- -fogo e a abster-nos de fazer qualquer uso da força armada para outro propósito que não estritamente o da luta antiterrorismo”, lia-se ontem num comunicado conjunto que, no entanto, não estava assinado pelos dois homens que dividem a Líbia: o primeiro-ministro e chefe do Governo de Unidade Nacional, Fayez Serraj; e o antigo chefe das Forças Armadas, que controla por estes dias Tobruk e o leste, Khalifa Haftar.
Esperam-se consequências no terreno, mas o comunicado de Paris é a primeira declaração conjunta dos dois homens fortes da Líbia que, com a queda de Muammar Khadafi e o desdém das forças ocidentais que precipitaram o seu fim, entrou num clima de guerra civil em lume brando e foi governada por uma sucessão de governos concorrentes dos quais restam hoje – sobretudo – Serraj e Haftar. Uma primeira tentativa de chegar a um comunicado conjunto falhou em maio, quando os dois líderes se encontraram cara a cara em Abu Dhabi. Foi Emmanuel Macron, que desde cedo se debruçou sobre o dossiê líbio, quem oleou o entendimento de ontem.
O Eliseu tentou que não se soubesse do encontro entre os dois líbios, mas um projeto do acordo passou para a imprensa no fim de semana. “Os desafios desta reconciliação são imensos, tanto para o povo líbio como para o resto da região”, lançou ontem Macron. “É um processo essencial para a Europa também, porque os nossos países vão sentir diretamente as ameaças terroristas e as consequências migratórias se não o conseguirmos”, disse, tocando no ponto essencial que fez os chefes diplomáticos francês e italiano encontrarem-se três vezes em junho. Desde que se interrompeu a rota migratória entre a Turquia e a Grécia que as travessias por mar de requerentes de asilo e imigrantes se fazem sobretudo pelo norte de África e pelas regiões líbias onde não existem polícia ou Estado – chegaram mais de 83 mil pessoas à costa italiana entre janeiro e junho deste ano, quando só 70 mil o fizeram em 2015 e 2016.
Alguns observadores da situação líbia alertavam ontem para a dificuldade de aplicar o acordo eleitoral no terreno, pois o país tem poucas estruturas do Estado em funcionamento e ainda menos que sejam consensuais. O ponto, no entanto, é importante, uma vez que os dois governos concorrentes não se reconhecem mutuamente e as forças armadas estão fraturadas em milícias. De acordo com o “El País”, porém, as eleições podem acontecer já na primavera de 2018.