Este é um poema muito conhecido, talvez até por traduzir o que, tantas vezes, se passa: a incompreensão dos adultos aos desenhos de crianças, tal como sucede com o «chapéu» desenhado pela personagem que conhece o Principezinho e que, no fundo, não era uma chapéu, mas um elefante engolido por uma jiboia. Só que os adultos, habituados a rapidamente descodificar os sinais que os rodeiam, apenas veem a forma exterior, sem suspeitar de que a maioria das crianças dá forma exterior a conteúdos ou sentimentos interiores, de forma geralmente encoberta.
A psicologia recorre a estudos científicos para interpretar aquilo que as crianças transmitem num desenho – quem está no centro do desenho, que elementos são valorizados, se o Sol está a sorrir ou triste…
A forma principal de a criança se expressar é através da arte, através de um lápis e um papel. E é por isso que, muitas vezes, os adultos pedem às crianças para desenharem determinadas formas, esquecendo que deveriam dar-lhes a liberdade de utilizarem o papel como querem, desenhando ou não, fazendo «riscos» ou não, ou até mesmo rasgando ou amachucando o papel…
Este poema de Almada Negreiros é, no fundo, uma alegoria da incapacidade do adulto perante o mundo, tão complexo, da criança, ainda que, mesmo em adulto sinta o menino que há nele. Ou, como diz Mário de Sá-Carneiro: «Na minh’ Alma há um balouço / Que está sempre a balouçar (…) / E um menino de bibe / Sobre ele sempre a brincar…».
Ao pedir a uma criança que «desenhe uma flor», o poeta acaba por ser surpreendido por traços que em nada se assemelham ao conceito comum de «flor», mas, no fundo, a ideia de flor viajou dentro da criança, do seu cérebro até ao seu coração, e daí até à sua mão, até ter resultado nas «linhas com que Deus faz uma flor!».
E é pena que, tantas vezes, nos esqueçamos de que também nós já fomos crianças e já olhámos para os adultos com admiração, perdidos «numa encruzilhada de rumos entre a fonte dos tempos e a foz de todos os destinos», nas palavras de João Miranda, em O Homem que Inventa Setembros.
Como afirma, ironicamente, Elizabeth Enright, em Doublefields: «Crescidos! Todos nos lembramos deles. Que estranho e até triste nós nunca nos termos tornado no que eles eram: seres nobres, infalíveis e livres. Nunca nos tornámos eles. Não somos menos nós próprios aos 40 do que éramos aos 4, e é por isso que só conhecemos os crescidos como Crescidos uma vez na vida: durante a nossa infância. Nunca mais os encontramos na vida e sentimos sempre a sua falta.» Realmente, esta análise reflete bem a realidade. Esperamos, mas não encontramos, mesmo que dêmos início a uma longa viagem…
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services