“Vertigem Azul”. Mais tempo, mais fundo, até se perder na apneia

O mundo dos mergulhadores sem garrafa é como o dos alpinistas, o desafio à resistência humana leva-os cada vez mais longe e há quem não regresse

Inspirado livremente na vida de dois campeões de mergulho em apneia, Jacques Mayol e Enzo Maiorca, “Vertigem Azul” é também um filme muito pessoal de Luc Besson, filho de instrutores de mergulho no Club Méditerranée que passavam o tempo a trabalhar entre a Grécia e a ex-Jugoslávia. O próprio realizador pensou em seguir a carreira de mergulhador, mas um acidente obrigou-o a abdicar desse sonho e a entrar para o cinema.

Um projeto pessoal que se tornou o primeiro grande êxito da sua carreira (foi também o seu primeiro filme em língua inglesa, numa produção EUA/França/Itália), marcando desde então os contornos de receção tidos pela maior parte da sua obra: o filme foi encarado no Festival de Cannes de 1988 com o sobrolho franzido da crítica e saiu de lá para se tornar um sucesso de público, com mais de dez milhões de espetadores. E inúmeros estudos que procuram encontrar a razão para tamanho fenómeno.

A estética publicitária assumida sem decoro, o uso de efeitos especiais, as influências da ficção científica e da banda desenhada, em todos esses pontos se encontraram razões para o desagrado dos especialistas e satisfação do público em geral.

“Vertigem Azul” tem a capacidade de juntar esse lado do documentário do fundo do mar (para todos aqueles a quem Jacques-Yves Cousteau abriu uma janela) com a aventura de explorar um meio onde só nos podemos valer por nós próprios. O mergulho de apneia exige capacidade física e inteligência, porque não basta ir mais fundo, é preciso saber voltar sem morrer. Sem esquecer que descer, muitos descem, é no subir, na descompressão, que está o maior perigo.

Quando se junta isto a dois homens obcecados com a competição, desafiadores dos limites e propensos à grande aventura de mergulhar, temos uma receita a convidar à tragédia.

O filme faz jus ao título original de “Le grand bleu” (o grande azul) porque faz mergulhar o espetador nessa imensidão de azul que enche os olhos, num esplendor hipnótico. E não contente com todo o azul do mar, Besson ainda coloca a personagem de Mayol a sonhar com água num quarto que se vai cobrindo lentamente a partir do teto.

Jean-Marc Barr é fascinante na composição desse amante do mar que se integra na água melhor que em terra. É como esses seres desajeitados quando caminham na solidez do chão que se transformam na definição de harmonia ao mínimo contacto com o mar. O seu Mayol vive atormentado pelo destino do pai, morto durante um mergulho, facto que o levou a afastar-se da competição e do amigo de infância (Maiorca, batizado Molinari no filme; ver ficha).

Não sendo brilhante na construção narrativa (a personagem de Barr é menos credível no amor pela personagem de Rosanna Arquette que na sua relação com o mar), “Vertigem Azul” consegue a proeza (não despicienda) de nos levar para o fundo do oceano e nos mostrar com verosimilhança um mundo que poucos de nós podemos alcançar. Um mundo de silêncio e calma: canto de sereia que nos engana com a beleza e a tranquilidade. “Desces ao fundo do mar, muito longe, tão longe que o céu já não existe”, afirma Jacques Mayol à namorada, Johanna.

Sendo eu amante do silêncio e da sensação das águas salgadas à minha volta, mas péssimo na apneia e sem experiência em mergulho com garrafa, “Vertigem Azul” revelou-se como um prolongamento do fascínio que os documentários de Cousteau haviam criado no adolescente que eu era. Será daí talvez que vem a explicação para o gosto do público mais jovem por este filme?