Não confundir prioridade com superioridade

Quando a senhora da caixa pergunta se uma pessoa quer usar a prioridade, uma fila inteira de olhos indignados vira-se para escrutinar o intruso

A lei prevê que pessoas deficientes, idosas que apresentem dificuldades, grávidas ou acompanhantes de crianças até aos dois anos tenham prioridade em filas de espera. Pelos últimos dois motivos, eu sou considerada prioritária há oito anos. Contam-se no entanto pelos dedos das mãos as vezes em que usei esse privilégio. Por duas razões: em algumas situações em que até me daria bastante jeito estar menos tempo na fila, percebo que ter prioridade me iria dar tanto trabalho que seria mais cansativo do que ficar à espera; noutras ocasiões, apesar de ser considerada prioritária, sinto que estou bem e que a minha necessidade de estar menos tempo na fila é igual ou até menor do que a de outras pessoas que chegaram antes de mim.

Como em tudo, nesta questão das prioridades há abusos de parte a parte. Ninguém gosta de esperar e toda a gente tem pressa, mesmo quando estar na fila até pode ser a parte mais relaxante do dia, e assim se geram as tão habituais quanto desagradáveis guerras. 

Os não prioritários estão geralmente em maioria e os prioritários sozinhos. Quando a senhora da caixa pergunta se certo cliente quer usar a prioridade, uma fila inteira de olhos indignados volta-se para avaliar minuciosamente o espécime intrusivo e inconveniente. Consoante o que concluem do seu estudo, a reação varia: «Com certeza, não tinha visto, a senhora tem prioridade» (quando já estava cansada de ouvir o bebé chorar e já a tinha olhado de esguelha dezenas de vezes, virando-se o mínimo possível para não ser apanhada a ver a vítima); ou deixar passar com má cara ao mesmo tempo que vocifera algumas palavras para os outros sacrificados que se unem num burburinho incómodo. «Também me dói a perna, porque ainda ontem caí e até fui ao Centro de Saúde», «As minhas varizes estão cada vez pior, veja aqui, custa-me imenso estar de pé».

Também há quem adore ter prioridade e não entenda que acima da lei há uma questão de bom senso. Há quem fique cego com a questão da prioridade e a use para exercer uma espécie de poder sobre os outros.

Certa vez, subia no elevador de um centro comercial com um carrinho de bebé quando parámos num andar e uma senhora, também com um carrinho, obriga calmamente toda a gente a sair para ela entrar. É verdade que é enervante e quase incompreensível as pessoas que podem utilizar as escadas rolantes encherem os elevadores, e até podia ser uma situação de emergência, mas pela arrogância com que a senhora o fez diria mais que era alguém com vontade de ser importante a usar o seu pequeno poder. É como no trânsito, em que dezenas de condutores se erguem nos seus assentos com ar de superioridade sem deixarem passar o desgraçado que perde prioridade, e que já ali estava quando eles ainda se preparavam para sair de casa. Mais importante do que a prioridade é o bom senso, mas acima de tudo a educação e o respeito pelos outros.