Estávamos em pleno Portugal dos anos 60, o regime do Estado Novo estava entranhado na cultura e nas mentes dos que viviam dentro das fronteiras nacionais. A religião católica, centro de toda a verdade, posicionava-se antes da pátria e até mesmo da família como um dos pilares de uma sociedade pouco educada, pobre e cuja repressão soava quase tão natural como um batimento cardíaco.
Falar-se em orgasmo feminino e em prazer sexual para as mulheres não era um simples tabu, mas sim o desconhecimento quase total de um mundo cujas portas não poderiam ser abertas, já que poucas eram as pessoas que sabiam da existência de portas possíveis de abrir.
Em pleno interior de Portugal, numa típica aldeia nortenha no distrito de Vila Real, uma família de muitas mulheres ouvia os discursos de Aninhas (na altura, na casa dos 30 anos) como quem não fazia ideia do que se tratava. Aninhas, que já havia crescido num contexto familiar em que a mãe servia o pequeno-almoço na cama ao marido e à “amante do dia”, e dizia sem problemas às netas “não me importo que tenha duas ou três, nunca fiquei mal servida ou fui menos desejada”, foi sempre livre de explicar às mulheres que a rodeavam o maravilhoso mundo de quem experimentava o prazer feminino entre lençóis.
Hoje, quem nos conta a história de Aninhas, com a saudade de quem já a viu partir, são as filhas, que já passaram a casa dos 50 e olham com carinho para a rebeldia comunicativa da mãe, que admitem nunca terem tido vontade de explorar devidamente graças ao “desconforto” que lhes causava o assunto.
Aquela que era uma menina de boas famílias e que vivia com toda a educação e requinte que a situação profissional do pai lhe dava apaixonou-se por um jovem agricultor que vivia no topo de um monte, sem luz nem água. Apesar de o destino apontar para que tudo desse errado, não fosse aquele casamento malvisto nas origens de Ana, a verdade é que ninguém foi capaz de a impedir de abandonar tudo por amor. E foi esse mesmo amor que inspirou gerações futuras e todos os que cresceram rodeados dele. A realização sexual do casal era visível na felicidade e na abertura que Aninhas tinha para lidar com o assunto em família, algo que não era bem aceite pelas mulheres que a rodeavam, já que não era de todo usual tocar-se no assunto sexo, muito menos na possibilidade de a mulher, que deveria ser casta, sentir prazer durante o processo.
O prazer de um orgasmo
“Ela falava com as cunhadas sobre os orgasmos e o prazer feminino e elas davam-lhe um desconto, quase como se fosse uma criança a dizer alguma barbaridade, porque era–lhes tão impensável que a mulher pudesse sequer receber qualquer tipo de prazer daquele contexto que não percebiam do que é que a minha mãe estava para ali a falar”, descreve Maria com um tom carinhoso, mas de quem também nunca se lembrou de explorar as partilhas da mãe. Maria acrescenta que a mãe não entendia a objetificação das mulheres no mundo do sexo e queria que as que a rodeavam pudessem partilhar das mesmas maravilhas que a natureza e o amor do seu marido lhe proporcionavam.
“Eram tempos de castração religiosa e nós éramos parte dela também. Se as mães das nossas amigas não tinham essas conversas com as filhas, era um bocado anormal e desconfortável aquele à-vontade da minha mãe em contar-nos essas coisas.” A mais nova de três filhos, Joana, concorda com a irmã: “Não acho que este assunto dependa do século em que vivemos ou do contexto propriamente dito, mas sim do temperamento e capacidade de partilha de cada um. A nossa mãe tinha nitidamente facilidade em partilhar detalhes da vida sexual e nós nunca nos sentimos à vontade para a ouvir ou querer fazer perguntas. Eu nunca partilhei detalhes da minha vida sexual com ninguém porque, para mim, é um assunto que não merece partilha mas, para outras pessoas que estejam à vontade, é óbvio que hoje em dia é mais fácil falar-se do assunto”, conta Isabel, de 55 anos, que garante que ainda hoje só conseguiria envolver-se com um homem caso estivesse apaixonada e que nunca viveu as tão famosas “one-night stand”.
As mulheres que rodeavam Aninhas cresceram num meio católico assertivo e repressivo. Não estava previsto que a mulher sentisse prazer sexual, algumas nem sabiam que essa possibilidade existia. A repressão do prazer sexual na mulher é, ainda hoje, uma teoria defendida por muitas religiões e culturas que chegam mesmo a castrar fisicamente o possível prazer sexual feminino. Mas mulheres e homens de todo mundo têm, ao longo da história, desenvolvido um papel fundamental na exploração do misterioso mundo do prazer feminino.
Clitóris, o órgão exclusivo do prazer
“O clitóris é a única parte do corpo cuja função exclusiva é proporcionar prazer. É isso que o torna algo tão incrível e é estranho como é que as mulheres podem olhar para a sua sexualidade de uma forma mais restrita que os homens, já que o clitóris só está lá para dar prazer”, explica Natalie Angier no documentário “Clitóris, Prazer Proibido”. Com depoimentos de vários atores da sociedade como educadores sexuais, médicos, académicos da área e mulheres participantes, o documentário contesta a conceção religiosa e patriarcal de que o sexo existe unicamente para a função reprodutora.
O funcionamento do clitóris é muito semelhante ao do pénis. Quando a mulher sente excitação sexual, o aumento do fluxo sanguíneo faz com que o clitóris cresça, tornando-se mais duro e protuberante, comparando-se à ereção de um pénis.
A falha de comunicação e educação sexual é centenária, se não milenar, e tornou possível que a própria mulher fosse vítima do seu desconhecimento. No documentário “Clitóris, Prazer Proibido”, realizado em 2003 por Michèle Dominici, Stephen Firmin e Variety Moszinski, são vários os especialistas que abordam a falta de conhecimento feminino sobre o seu próprio corpo. Helen O’Connell, urologista da Universidade de Melbourne, comenta que quando se explica às meninas que não têm um pénis, mas sim uma vagina, a informação costuma parar por aí, sem se explicar convenientemente a morfologia do sexo feminino, tão complexo e tão diferente de mulher para mulher.
O único resultado que daqui advém é o reforço da teoria castradora freudiana que insinua que as meninas têm inveja dos homens porque não têm pénis. Freud, hoje ridicularizado por cientistas de todo mundo, esqueceu-se de um pequeno pormenor: o clitóris é composto por mais de oito mil nervos, sendo a parte do corpo humano que contém mais terminações nervosas, inclusive mais do que a língua ou o pénis. Sendo completamente desconhecido o seu papel na reprodução, já que a sua função é única e exclusivamente a de proporcionar à mulher o esplendor do prazer físico.
Orgasmos? O que é isso?
É fácil confundir o sexo e o prazer com uma questão de ego, já que são muitos os casais que têm desentendimentos porque o homem não entende a sua incapacidade de dar prazer a uma mulher, explica Margarida, de 43 anos, residente no Porto. “De uma vida sexual ativa com vários anos, 95% dos meus orgasmos foram fingidos”, conta. “Hoje, já me desprendi dos preconceitos que fui assimilando ao longo da vida e tento viver o momento, mas cresci com a ideia de que o sexo era algo maligno e que devia ser apenas para gozo masculino.” Margarida explica que ao longo da vida via o momento do sexo como algo até “custoso” e que só queria que “terminasse rápido”. Hoje, tem a certeza de que a sua filha olha para a sexualidade com olhos bem diferentes do que os seus na idade dela, certificando-se de que o tema é abordado com a maior naturalidade e abertura possível.
A neurocientista Nicole Prause respondeu a várias das dúvidas que rodeiam o mundo dos orgasmos femininos ao estudá-los no seu próprio laboratório. Através de uma melhor compreensão do que acontece no corpo e no cérebro durante a excitação e o orgasmo, ela espera desenvolver dispositivos que possam aumentar o desejo sexual sem a necessidade de drogas, escreve o jornal britânico “The Guardian”. A comunicação entre os casais e o facto de as mulheres fingirem orgasmos são algumas das dificuldades que tornam ainda mais difícil a concretização do prazer feminino. Na verdade, quando Prause começou a estudar mulheres dessa maneira, notou algo que a deixou surpresa: “Muitas das mulheres que relataram ter um orgasmo não estavam a ter nenhum dos sinais físicos – as contrações – de um orgasmo.” E a pergunta que fica é uma só: será que ainda existem muitas mulheres que não sabem o que é um orgasmo?
Curiosidades
OMGYES.com Antes de ser desenvolvida a plataforma que está a mudar os contornos do prazer feminino em todo o mundo, a OMGYES! lançou um estudo, em 2015, sobre o prazer sexual feminino que foi realizado em junho de 2015 pelos investigadores Debby Herbenick, PhD, professora assistente na Escola de Saúde Pública da Universidade de Indiana e investigador do Instituto Kinsey, e Brian Dodge, PhD do Centro de Promoção da Saúde Sexual da Escola de Saúde Pública da Universidade de Indiana. A pesquisa foi realizada online em colaboração com o Knowledgepanel da GfK, um painel da web baseado em probabilidades, projetado para ser representativo dos Estados Unidos, e foi concluída por 1055 mulheres adultas. Posteriormente, os resultados foram ponderados de acordo com os dados recentes (março de 2014) da Pesquisa da População Atual (CPS), levando em conta informações demográficas como género, raça/etnia hispânica, região do país, educação, renda familiar e acesso à internet (com base nos dados da CPS de 2013).
Números
Orgasmo das mulheres homossexuais é 13,1% mais frequente do que em mulheres heterossexuais.
67% das mulheres dizem que fingiram pelo menos uma vez
A razão do fingimento
78% dizem que “evitam consequências negativas” como perturbar o seu parceiro
61% das mulheres fingem orgasmo para que o sexo termine mais rápido
47% dizem ter uma "consequência positiva", como agradar ao parceiro
25% dizem que o parceiro não estava preparado ou que não é "habilidoso"