As palavras «Chris Froome», «Paris» e «camisola amarela» já se tornaram um clássico de verão. Nos últimos cinco anos, o ciclista britânico venceu o Tour de France por quatro ocasiões: às edições de 2013, 2015 e 2016 juntou a deste ano, deixando o colombiano Rigoberto Uran a 54 segundos da glória.
Para trás ficaram os tricampeões Philippe Thys, Louison Bobet e Greg LeMond; à frente estão ainda Jacques Anquetil, Eddy Merckx, Bernard Hinault e Miguel Indurain. Duas são as vitórias que faltam a Froome, de 32 anos, para ocupar o lugar supremo no panteão dos campeões – como dois são os anos que tem ainda garantidos como chefe-de-fila da Sky. A confiança do líder da equipa diz tudo. «O Chris pode continuar a ganhar por mais anos. Não há qualquer razão para pensar o contrário. Fisicamente, está no topo e não me parece que vá decair no próximo ano ou no seguinte. Ele melhora a cada dia, tática e tecnicamente. Por isso, enquanto essa fome continuar e a saúde se mantiver, vai ser uma força nesta corrida ainda por algumas temporadas. O Chris está com mais fome de vencer do que nunca», garantiu Dave Brailsford logo após o fim de novo triunfo em França.
do quénia ao ‘crash froome’
A passadeira rumo ao topo está estendida. Mas não é de agora. Já vem de agosto de 2012, quando Lance Armstrong, cansado de tentar provar dia sim, dia sim a justiça das suas sete vitórias no Tour, abriu o jogo e revelou ter recorrido a substâncias dopantes durante a maior parte da carreira. De repente, o panteão voltava a estar à mercê de um humano – predestinado, como Merckx, Anquetil… ou Froome, mas ainda assim humano. Por outro lado, desde então, toda e qualquer grande vitória de qualquer ciclista numa competição com a dimensão do Tour, do Giro ou da Vuelta é vista com desconfiança pelo público, que durante anos acreditou na fábula de Lance apenas para acabar desiludido mais uma vez.
Froome também não escapou aos boatos. Tal como Bradley Wiggins – perdão: Sir Bradley Wiggins, ultra-medalhado olímpico pela Grã-Bretanha e vencedor do Tour em 2012 ao serviço da Sky, a equipa que viu Froome ganhar as suas quatro Voltas a França. Houve, por exemplo, questões ao chefe da equipa relacionadas com o conteúdo de uma mala de medicamentos enviada a Wiggins na edição de 2011 do Critérium du Dauphiné, que viria a ganhar. Este ano, porém, a cobrança diminuiu. «Não houve perguntas difíceis para o Chris desta vez, não houve desafios desagradáveis como noutros anos. Acho que é um bom sinal para a modalidade», clamou Dave Brailsford. Talvez tenha razão.
Chamam-lhe – a Froome – o Camaleão. Nasceu no Quénia, na capital Nairobi. Foi aí que começou a pedalar, a entrar em provas e a ganhá-las. A luta para chegar ao profissionalismo, todavia, foi espinhosa. Conta, na autobiografia publicada em 2016 («The Climb»), que em 2006 andava a mandar currículos para equipas europeias. A resposta era sempre a mesma: faltava-lhe experiência na estradas da Europa. Para ir aos Mundiais de estrada na Áustria, precisava de autorização da federação queniana; convencido de que não a iria obter, roubou a palavra-passe do e-mail do presidente da federação e enviou a sua inscrição. Foi aos Mundiais, sozinho, sem treinador e com duas bicicletas como companhia. Ficou na pensão mais barata da cidade, perdeu-se no meio da tempestade, e, nos primeiros metros da prova de contra-relógio de sub-23, caiu após chocar com um árbitro. Estava encontrada a primeira alcunha: «Crash» Froome.
com os olhos em espanha
Em 2007 chegou a profissional na Konica Minolta, equipa sul-africana. Tinha 22 anos. Um ano volvido, juntou-se à Barloworld, equipa sul-africana com base na Grã-Bretanha. Estava lançado. Em setembro de 2009, foi oficializado como ciclista da Sky para a temporada do ano seguinte. Começava a lenda. Em 2011 começou a cheirar o topo, terminando a Volta a Espanha em segundo. No ano seguinte, repetiu a dose, agora no Tour. A fazer adivinhar o que se seguiria.
É visto pelos especialistas como um monstro do pragmatismo. Nesta edição do Tour, por exemplo, não ganhou uma única etapa. Não foi preciso. «Posso ser um pouco conservador, mas sou eficaz.» Froome resume-se a si próprio na perfeição.
Também não é o mais popular dos atletas. Nas três anteriores ocasiões em que ganhou o Tour, nunca conseguiu ser mais do que sexto na votação para Personalidade Desportiva do Ano da BBC – em 2016, de resto, nem ficou nos 16 primeiros. Este ano, voltou a ouvir alguns apupos por parte do público e proclama até ter levado com cantis de urina na edição de 2015.
Nada disso lhe importa. No horizonte está já a Vuelta, com início a 19 de agosto. Nunca a ganhou. Nunca nenhum britânico a ganhou, aliás: «Adoro correr a Vuelta. Já fiquei três vezes em segundo e gostava de a vencer. Ganhar Tour e Vuelta no mesmo ano seria absolutamente incrível. Tenho essa oportunidade e vou lutar por ela.» A promessa está feita.