O filme revela-se logo no título, mas que belle époque é esta que não é francesa nem termina na Grande Guerra? É outro tempo de avanços, muito mais efémero que o período francês, embora trazendo, igualmente, outros modos de pensar e viver o quotidiano. Fernando Trueba agarra nesse momento de modernidade na história conservadora de Espanha que foi a emergência da República para fazer uma comédia libertina, com tanto de inteligente como de ingénua, tal como essa época bela dos anos 1930.
Um soldado desertor, ex-seminarista, encontra-se com um velho pintor “rebelde, infiel e libertino por natureza e a viver como um circunspecto burguês” e as suas belas quatro filhas, e daí resulta uma comédia rebelde e infiel num tempo de transição, repleta de grandes personagens, cheia de bons diálogos e a sobrar de humor por todos os poros. O humor, o amor, a liberdade individual e uma lufada de maus costumes para contrariar a rigidez monolítica de uma sociedade ungida pela Santa Madre Igreja.
O choque entre a Espanha beata, cerceadora, monárquica, tradicional e a nova Espanha liberta de amarras, republicana e progressista serve para a incomensurável sucessão de cenas cómicas que deve mais à tradição da screwball comedy americana (e da grande referência cinematográfica de Trueba que é Billy Wilder) que ao pícaro, não deixando de haver no cinema espanhol exemplos de comédias políticas que podem ser consideradas predecessoras no humor e no estilo, como o “Bienvenido, Mr. Marshall”, de Luis García Berlanga.
A história passa-se em 1931, entre o fracasso da sublevação antimonárquica de Jaca (12 de dezembro de 1930) e a proclamação da ii República espanhola (14 de abril de 1931). Fernando, o desertor, é ele próprio um jovem de antes e do depois – seminarista, muito ciente da ordem (desertou mas não se desfaz do uniforme e do cornetim porque não são dele, algum dia os devolverá), mas completamente propenso aos jogos amorosos com todas as filhas do velho libertino. Debaixo da batina espanhola, soltam–se as amarras e é permitido sentir, deixar-se levar.
Tal como Wilder, para seguir na referência, Trueba também é um excelente diretor de atores e neste filme conseguiu juntar um elenco equilibrado e brilhante entre veteranos do cinema espanhol (Fernando Fernán Gómez, Chus Lampreave, María Galiana) e jovens atores em princípio de carreira (Penélope Cruz, Ariadna Gil, Maribel Verdú, Jorge Sanz, Gabino Diego) que funcionam numa máquina afinada de multiplicação de gags.
Principalmente, Fernando Fernán Gómez, ator impressionante, homem de génio, que compõe esse pintor excêntrico que não tem ereções a não ser com a mulher, que não nasceu em terra de infiéis, que não foi à tropa por causa dos pés chatos, tudo situações que o impediram de cumprir a sua condição e de se rebelar contra as instituições reacionárias do casamento, da Igreja e militar.
Trueba confia tanto nos atores e no texto (o argumento é de Rafael Azcona, a partir de uma história de Azcona, de Trueba e de José Luis García Sánchez) que não precisa de assinar uma montagem em passo acelerado para conseguir um humor multiplicado que não para um segundo.
A quem olhar o filme superficialmente, parece uma comédia inofensiva, leve, despreocupada, com os toques de sexualidade suficientes para atrair os espetadores adolescentes. Quem quiser (souber) olhar para lá do imediato, percebe a homenagem a um tempo que trouxe esperança e alegria de mudança e acabou condenado, também, pela sua própria ingenuidade.