As negociações que preparam a saída do Reino Unido da comunidade europeia estão praticamente paralisadas. Isto é, as negociações que supostamente começaram há pouco mais de um mês em Bruxelas, entre responsáveis britânicos e europeus, e as mesmas que, segundo a agenda já definida e consensualmente apertada, têm de estar finalizadas em março de 2019, no primeiro dia de uma Europa a 27 e de um Reino Unido a sós. A razão aparece de uma forma ou outra em quase todos os jornais britânicos desde as eleições de junho e explicava-a no fim de semana o comentador e colunista da BBC, Nick Robinson. “É evidente que as negociações começaram apenas agora… dentro do governo. Podem esquecer um acordo com Bruxelas quando nem sequer existe um em Londres.”
Downing Street não tem como contrariar a ausência de um plano e pouco o tenta esconder. Philip Hammond, o ministro britânico das Finanças, admitia em junho que a estratégia do governo conservador para a saída da comunidade estava de volta à estaca zero. Os ambíguos resultados das eleições desse mês a isso obrigavam, mas, desde que Hammond o disse, o governo de May pouco ou nenhum avanço parece ter feito. Há duas semanas, por exemplo, o mesmo Hammond dizia que os outros ministros ainda estavam a acostumar-se à estratégia de uma saída faseada da comunidade, permitindo que as negociações se façam sobre temas específicos e para lá de março de 2019. Mas um dos principais encarregados técnicos nas negociações do Brexit dizia ontem ao “Financial Times” que a situação que se vive hoje é pior do que ter voltado ao zero. “Houve uma falha da diplomacia”, disse o técnico, sob anonimato. “O clima do outro lado do Canal é horrível.”
Ano desperdiçado
Os técnicos entrevistados pelo “Financial Times” dizem que se desperdiçou um ano inteiro em preparações para o Brexit. Culpam Theresa May, que por estes dias tenta escapar a uma luta pelo seu lugar e que aparentemente decidiu acionar o Artigo 50 em março sem antes tomar uma decisão sobre o modelo do divórcio. Apontam o dedo também aos antigos conselheiros Nick Timothy e Fiona Hill, que alegadamente tomaram várias decisões sobre a saída da comunidade sem antes consultarem o governo – foram ambos despedidos depois das eleições. A conclusão é fácil de adivinhar e explica-a um outro responsável britânico: “Neste ponto das negociações, a Comissão Europeia e o Conselho Europeu estão significativamente à nossa frente e estão francamente chocados.”
A saída faseada que Hammond defende pode tornar-se o único caminho possível, dados os atrasos políticos do lado britânico. Para grandes figuras eurocéticas como Liam Fox, por exemplo, que é secretário do Comércio Internacional, falar numa saída por estágios é o mesmo que decidir um Brexit suave e sem as consequências que o eleitorado desejou no referendo do ano passado. O governo de May confirmou ontem que a saída europeia terminará com o livre movimento de pessoas no Reino Unido e Fox desmentiu que esse assunto – um dos que, em princípio, mais beneficiaria de uma saída faseada – está em debate.
O debate entre altos responsáveis sobre uma saída em transição faz antever uma discussão ainda mais difícil com um eleitorado que, apesar de tudo, reelegeu Theresa May e o seu Brexit duro – embora isso tivesse causado uma sangria de votos no Partido Conservador, segundo registava ontem a BBC. Mas a estratégia de uma saída aos poucos recebia ontem o apoio de William Hague, o influente antigo ministro conservador dos Negócios Estrangeiros, num sinal de que o debate ainda está por concluir mesmo no seio do partido. “Os méritos do plano do chanceler [ministro das Finanças], que parecem semelhantes a uma adesão à Área Económica Europeia em transição, são imensas”, argumentou Hague na sua coluna para o jornal “Telegraph”. Não o fazer, explicou, tem “um claro potencial para que o Brexit se torne no momento do maior pantanal económico, diplomático e constitucional da história moderna do Reino Unido”.