Brasil: Congresso paga dividendos a Temer

O presidente brasileiro estava ontem prestes a assegurar a sobrevivência. Partidos do governo cerraram fileiras atrás do chefe de Estado

O que ontem se votava na Câmara de Deputados do Brasil não era a denúncia de corrupção passiva que a Procuradoria-Geral da República fez contra o presidente Michel Temer. Votava-se, isso sim, o parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que recomendou há semanas o arquivamento da denúncia contra o chefe de Estado e o seu não encaminhamento para o Supremo Tribunal Federal – por outras palavras, recomendou que o líder brasileiro não fosse julgado pela única instância que o pode fazer e continuar por enquanto no cargo. Temer precisava para isso de um mínimo de 172 votos a seu favor. E antes do voto final – para lá do fecho desta edição – já ele celebrava e preparava o discurso de vitória, de acordo com o “Folha de São Paulo”. 

Os aliados do presidente brasileiro contavam ontem à noite com um mínimo de 280 votos a seu favor, embora partidos como o antigo aliado PSDB prometessem votar contra Temer. Ao que tudo indicava, tiveram sucesso as prolongadas manobras do líder brasileiro, que nas últimas semanas recebeu uma média de oito deputados por dia e mais de cem durante todo o processo – para acertar concessões orçamentais que assegurassem o voto favorável, como relata o jornal “O Globo”. A confirmarem-se as estimativas do governo, a oposição ficou muito longe dos 342 votos necessários para fazer avançar a investigação. 

Os partidos da oposição acreditavam até ontem na vitória, mas pela noite já admitiam que não havia nada a fazer. Fazia-o, por exemplo, o vice-presidente da minoria opositora, do Partido Trabalhista do Brasil, Sílvio Costa, avançando que, mesmo considerando todos os deputados indecisos, o bloco contra Temer não chegaria sequer aos 220 votos. A estratégia dos partidos da oposição até se modificou ao longo do dia. A primeira tática foi a de adiar o voto e forçar a ausência de quórum. Não o conseguiram e a segunda estratégia foi a de adiar os votos até ao horário nobre do Brasil, para dessa forma, pelo menos, demonstrar a insatisfação nas bancadas e provocar o público brasileiro, de quem as sondagens dizem que 80% concordam com o seguimento do processo de Temer para o Supremo. 

E agora? A confirmar-se a vitória de Temer, o presidente tem o caminho aberto para avançar  com novas reformas. A esperança entre os aliados do presidente é que as perspetivas económicas melhorem e a popularidade fraca do governo comece a beneficiar das suas próprias propostas. Como explicava Beto Mansur, do PRB, a poucos minutos da votação final de ontem, dizendo que o país é governável por um presidente que tem hoje uma taxa de aprovação que ronda apenas os 5%. “Tem total governabilidade”, dizia o deputado ao “Folha de São Paulo”. As bolsas acreditavam ontem no mesmo, assumindo uma trajetória de subida (em conjunto com o real) assim que saíram as primeiras notícias da vitória iminente de Temer. 

O eleitorado pode discordar – e não menos porque, pela segunda vez num ano, vê deputados que na sua maioria foram já condenados ou estão acusados de crimes de corrupção (60%) votarem na permanência de um presidente. A Polícia Militar não teve que lidar com grandes ocorrências ao longo do dia. Sobretudo barreiras de pneus em chamas em alguns acessos de São Paulo. Mas, à caída da noite e das notícias, as multidões juntavam-se para protestar a provável continuação de Temer.