Nem Elizabeth Taylor gostava do filme, aliás odiava mesmo esse “Butterfield 8” que em Portugal teve o título de “O Número do Amor” e que mesmo assim lhe valeu o Óscar de melhor atriz em 1961. Quem estava nomeada esse ano e perdeu foi Shirley MacLaine, a Miss Kubelik de “O Apartamento”. O que levanta a questão hoje, 67 anos depois da estreia do filme de Billy Wilder: porquê?
Era a segunda nomeação de Shirley MacLaine, dois anos depois desse brilhante momento cinematográfico chamado “Some Came Running”/”Deus Sabe Quanto Amei”, de Vincent Minnelli, um dos mais belos filmes da história do cinema. E teria mais duas nomeações antes de ganhar finalmente em 1984 com “Laços de Ternura”, quando a Academia já não podia superar mais a vergonha de nunca a ter premiado.
Em “O Apartamento”, de que trata este texto, Shirley MacLaine mostra essa qualidade quase única de ser ao mesmo tempo forte e frágil – e não estamos a falar de ser forte em certos momentos e frágil noutros, é mesmo as duas coisas ao mesmo tempo. Shirley MacLaine é uma das atrizes mais fragilmente fortes ou fortemente frágeis do cinema americano. E prova-o em “O Apartamento”.
Alguém capaz de gerar ternura e de dar a certeza que, apesar de tudo, irá ficar bem. Mesmo quando tenta o suicídio e escapa por pouco à morte, a sensação que nos deixa é que foi apenas um teste à nossa ternura, e não à nossa consciência da sua capacidade de sobrevivência.
O filme de Billy Wilder, produzido no ano a seguir ao grande êxito de cinema e de público que foi “Some Like It Hot”/”Quanto Mais Quente Melhor”, seria outro sucesso, tornando-se uma referência cinematográfica e, curiosamente, o último filme a preto e branco a ganhar o Óscar de melhor filme até “A Lista de Schindler”, de Steven Spielberg, 32 anos depois.
Comédia romântica dramática, com um Jack Lemmon à altura e um conjunto sólido de bons atores secundários, “O Apartamento” traz subjacente uma crítica ao estilo de vida desses quadros nova-iorquinos com família no subúrbio, aproveitando a vida na cidade para se multiplicarem em aventuras amorosas com secretárias, auxiliares, empregadas de bar, numa forma de vida aceite e até incentivada entre o universo masculino.
O apartamento que passa de mão em mão para que os executivos da empresa possam ter alcova para os seus pecadilhos (na sua visão) masculinos serve ao seu dono (Lemmon) para uma ascensão meteórica na empresa. Mas quando chega lá acima, este percebe, porque ama, que não é como os outros.
O seu sonho nunca foi o de mimetizar os executivos nas suas pequenas aventuras, nem sequer entregar-se sem escrúpulos à gestão da sua carreira. No fundo, no fundo, C. C. Baxter (assim se chama a personagem de Lemmon) entrou no esquema de emprestar o seu apartamento, sacrificando descanso e saúde, por causa dessa incapacidade de dizer não, por essa necessidade intrínseca de ser uma boa pessoa.
Miss Kubelik pergunta-se, pelo menos duas vezes durante o filme – ela que, embora não sendo como as outras, também se deixou tentar pelo canto do sereio de um alto executivo (Fred MacMurray) –, porque não se apaixonou por alguém como ele, que tem escrito na cara com todas as letras o bom sujeito que é.
“O Apartamento” é talvez o filme em que o génio de comédia de Billy Wilder melhor se conjuga melhor com o romantismo (valeu-lhe três Óscares pelo melhor filme, pela realização e pelo argumento, a meias com I.A.L. Diamond), o que, aliado ao brilhantismo visual (Alexandre Tauner, junto com Edward G. Boyle, conquistou também o Óscar para a melhor direção artística), o transforma num dos momentos marcantes da história do cinema.