O Ministério Público brasileiro reabriu uma investigação a Lula da Silva por alegados subornos da Portugal Telecom que tinha sido arquivada em 2015. O caso está relacionado com o megaprocesso Mensalão e deu inclusivamente origem a um inquérito em Portugal que também acabou arquivado no mesmo ano – mas que pode ser reaberto até abril caso surjam novos dados do outro lado do Atlântico.
A reabertura deste inquérito brasileiro – que teve início com denúncias feitas em 2013 pelo publicitário Marcos Valério – foi decidida após uma reanálise da Câmara de Combate à Corrupção da Procuradoria-Geral da República. Esta câmara considerou haver indícios para reabrir a investigação. Em causa está um alegado suborno de 7 milhões de dólares da Portugal Telecom ao Partido dos Trabalhadores.
Lula da Silva já reagiu, dizendo que não há nada que justifique esta decisão. Em comunicado lembra que “as acusações de Marcos Valério foram feitas em 2012 e investigadas por três anos” e adianta que “ambos os Ministérios Públicos de Portugal e do Brasil pediram o arquivamento delas por total falta de provas”. Conclui referindo que “não há nada, portanto, que justifique a reabertura dessa investigação agora”.
O Mensalão e Portugal As ligações a Portugal de um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil começaram quando um dos réus nesse caso, Marcos Valério – publicitário, condenado a 37 anos de prisão –, referiu que a telefónica portuguesa tinha pago luvas ao partido de Lula. O objetivo seria obter o apoio do governo brasileiro na compra da Telemig, uma empresa de Minas Gerais. Ao serem confrontadas com essas informações, as autoridades judiciárias brasileiras enviaram uma carta rogatória para Lisboa que serviu de rastilho a uma investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Segundo se descrevia no despacho de arquivamento português (de 2015), havia suspeitas de que o encontro entre Lula e Miguel Horta e Costa, ex-presidente da Portugal Telecom, em 2004, “teria sido facilitado por Marcos Valério Fernandes de Sousa (proprietário de agências de comunicação conhecido por prestar serviços ao Partido dos Trabalhadores), que tinha livre-trânsito no Palácio do Planalto”.
Foi Valério quem explicou à investigação brasileira que nesse encontro teria sido abordado o interesse da PT na Telemig, bem como a necessidade “do aval por parte das autoridades brasileiras (ANATEL)” para a concretização do negócio.
No despacho do DCIAP de encerramento de inquérito eram referidas outras ligações, nomeadamente a José Dirceu, homem forte de Lula: “A fim de contornar esse potencial obstáculo, Miguel António Igrejas Horta e Costa teria mencionado aos governantes brasileiros, nomeadamente a José Dirceu de Oliveira e Silva e a Lula da Silva, que existia a disponibilidade para adiantar a quantia de 7 ou 8 milhões de dólares para ajudar a custear as despesas de campanha do Partido dos Trabalhadores Brasileiros contra a autorização – melhor, a não oposição por parte da entidade reguladora brasileira – da realização do referido negócio.”
Nos dados que foram fornecidos a Portugal por carta rogatória, referia-se que tais montantes seriam transferidos por devedoras da PT em Macau para contas indicadas pelos governantes brasileiros – uma das quais pertencentes à dupla de cantores de música sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano.
Levantamento de sigilo bancário de Horta e Costa As suspeitas levaram o DCIAP a levantar o sigilo bancário e fiscal de Horta e Costa e da PT International Finance, bem como a expedir cartas rogatórias para os Estados Unidos da América, Bélgica e Suíça.
Os contactos com as autoridades judiciárias brasileiras também se mantiveram – até porque do outro lado do Atlântico foram ouvidas, ao longo de toda a investigação, mais de 20 pessoas, entre as quais Lula da Silva.
A investigação portuguesa e as autoridades do Brasil conseguiram confirmar parte das informações dadas por Marcos Valério. Apesar dos arquivamentos, os investigadores não ficaram com dúvidas de que um membro do partido brasileiro viajou até Portugal nem dos encontros entre Lula, Horta e Costa e José Dirceu.
Aliás, Horta e Costa admitiu, durante um interrogatório no DCIAP, ter-se encontrado em 2004 com o então presidente do Brasil, Lula da Silva, mas justificou tratar-se de uma “visita de cortesia”.
Dados insuficientes Ainda assim, o MP dos dois países não terá conseguido apurar com certeza quais os assuntos tratados nesses encontros. E as movimentações bancárias – que seriam determinantes – acabaram por não ser totalmente analisadas. Isto porque algumas contas bancárias não foram localizadas e a única que foi verificada não registava movimentos que permitissem concluir pelo pagamento de luvas.
Das informações pedidas por Portugal à Bélgica não chegou nada que pudesse trazer luz ao alegado esquema, uma vez que o número da conta bancária cuja consulta se pretendia tinha dois dígitos a menos. Já a Suíça informou que as contas indicadas por Portugal não tinham ligações a nenhum dos suspeitos.
Segundo o despacho do DCIAP, existiam diversas testemunhas no Brasil que, “em circunstâncias normais, poderiam ainda ser inquiridas” –, mas os dados existentes eram insuficientes para se continuar a investigação. O inquérito foi encerrado, explicou na altura o procurador, “considerando o sentido inequívoco dos dados recolhidos em Portugal e o facto de a investigação brasileira ter claudicado, não tendo sido capaz de obter elementos que materializassem a corrupção”.
Portugal ainda pode reabrir Em 2015, o DCIAP decidiu, por isso, não ser “possível concluir que o representante da PT [tivesse] prometido entregar uma elevada quantia monetária a altos responsáveis do Partido dos Trabalhadores Brasileiros a fim de facilitar a realização de um negócio da PT em território brasileiro”.
Poucos dias depois do final do inquérito português, o Ministério Público brasileiro pediu o arquivamento do correspondente inquérito a Lula da Silva.
O caso foi agora reaberto no Brasil e não se sabe quais as consequências que isso poderá ter deste lado do Atlântico. É que, quando o procurador do DCIAP Carlos Nunes arquivou a investigação, deixou claro que poderia haver reabertura caso surgissem novos dados: “Considera-se 4 de abril de 2018 como a data de prescrição do procedimento criminal.”
Condenado a nove anos No mês passado, Lula da Silva foi condenado a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e branqueamento de capitais. Em causa estão montantes de que terá beneficiado e que foram desviados da Petrobras. Com esse dinheiro, Lula terá remodelado um triplex no Guarujá, São Paulo. O ex-presidente brasileiro anunciou de imediato que iria recorrer.
Candidato em 2018 Luiz Inácio Lula da Silva continua a ser o homem forte do Partido dos Trabalhadores (PT) e algumas sondagens dão-no como o político que está em melhores condições de vencer as presidenciais de 2018. Horas após ter sido condenado por corrupção, Lula fez uma declaração na sede do PT em que deixou claro que iria candidatar-se às eleições presidenciais do próximo ano.