A romena Cristina Hanes conquistou o Pardo di Domani, o prémio do Festival de Locarno, na Suíça, que distingue jovens realizadores, com um filme rodado em Lisboa. “António e Catarina” faz um retrato de um marialva lisboeta, num dos exercícios de cinema mais puros que vimos nos últimos tempos.
Este é o projeto de conclusão do seu mestrado. Pode explicar-nos quais eram os seus planos?
Logo depois de terminar o curso de Cinema na Roménia, decidi que iria prosseguir os meus estudos na área do documentário. Frequentei o Aristóteles Workshop, na Roménia, que integra um workshop de cinco semanas para cidadãos da Europa central e oriental, e um dos realizadores com quem estava a trabalhar disse-me que achava que um certo programa seria ótimo para mim. Esse programa era o DocNomads.
Porque escolheu Portugal?
O programa iniciava-se em Portugal, prosseguia pela Hungria e terminava na Bélgica. O último semestre ficaria à nossa escolha e eu decidi regressar a Portugal, porque queria continuar a filmar o Augusto, que conheci no primeiro semestre, em 2014.
Gostou de estar e de filmar em Lisboa?
Das três capitais do DocNomads, Lisboa foi a cidade a que mais me liguei. É muito mais fácil falar com estranhos nas ruas de Lisboa e a cidade tem uma vida social muito especial, algo que não tinha encontrado em lugar nenhum. A barreira da linguagem foi fácil de ultrapassar porque consegui aprender o básico com a minha personagem, o Augusto.
Como se conheceram?
Conheci o Augusto muito cedo, logo que iniciei o mestrado, em 2014, na minha primeira vez em Portugal. Tivemos um curso muito inspirado sobre o retrato, o seu significado e as formas que pode assumir. Conheci o Augusto logo após esse curso. Estava à procura de alguém sem saber exatamente o que queria, mas percebi imediatamente assim que o vi. Ainda estou intrigada como essas coisas podem acontecer, como podem ter timings perfeitos. Conheci-o devido ao seu colega de apartamento, um cidadão português de Macau.
Como foi esse encontro?
Eu e a minha amiga sérvia Nevena Desivojevic do DocNomads estávamos à procura de alguém para fazer um retrato. Ela acenou a este homem à janela, num edifício no Intendente. De forma quase imediata, pedimos-lhe para nos mostrar o seu apartamento e ele aceitou. Ele partilhava o apartamento com três outros idosos, o que me pareceu logo um filme em si – a coabitação destes velhotes que não se conheciam.
O que mais a cativou no Augusto?
O Augusto tinha um brilho especial, de tal forma que percebi que tinha de fazer tudo para conseguir filmá-lo. Para mim, ele era uma personagem d’“O Estrangeiro”, de Camus. Ele ficou logo entusiasmado com a ideia de uma mulher mostrar interesse nele. Era claro pelas suas histórias que se tratava de um Casanova e ele adorou esse jogo de sedução. Era algo que lhe fazia falta. E eu própria fiquei seduzida.
Já tinha ideia de fazer esse exercício ligado a um jogo de sedução?
Mais do que de um jogo de atração, tratava-se da sua existência mínima num quarto em que passava longas horas à janela, uma forte solidão autossuficiente no final da sua vida. Acho que a minha presença amplifica ainda mais essa solidão. Combinámos filmar todos os nossos encontros e ele ficou fascinado por eu o filmar sempre na mesma posição.
Concorda que o documentário está no limiar da ficção? Pergunto isto porque tanto a Cristina como o Augusto são personagens do seu filme…
Sim, estamos ambos a interpretar uma versão de nós próprios. Os cineastas, quando trabalham com atores ou não atores, têm de os provocar por forma a fazer com que as coisas aconteçam diante deles. É muito difícil prever de forma metódica as ações e reações que levam a essa condição, mas acho que é nisto que reside a magia dos encontros magnéticos.
Gosto muito da forma como explora o poder da observação, do voyeurismo (a mirada daquela janela indiscreta) e da sedução – numa palavra, o cinema. Era essa proposta de cinema que procurava?
A janela é o elemento que denuncia esse ato de voyeurismo. Mas é também a referência ao seu passado misterioso e à vida noturna dos homens, ao hedonismo. O jogo de sedução foi um canal para o revelar, para partilhar o espaço e o relacionamento.
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