Um ano depois das Olimpíadas, o Rio de Janeiro atravessa uma crise financeira e de segurança que parece fazer recuar o calendário até aos piores anos de violência das décadas de 1980 e 1990. Segundo um documento sigiloso da Secretaria de Segurança do estado, citado pelo jornal “Extra”, há 843 zonas do Rio fora do controlo das autoridades. Na expressão usada pelo relatório são 843 “territórios controlados ilegalmente”.
Nestas zonas cuja lei e ordem foge à ditada pela Constituição não existem apenas favelas – nelas se incluem outros conjuntos habitacionais, determinados imóveis e até ruas inteiras. Estas zonas fora- -da-lei foram mapeadas por analistas do Instituto de Segurança Pública ao longo de 2015 e 2016, contrariando a ideia vendida pelas autoridades brasileiras, durante a preparação dos Jogos Olímpicos, de que a cidade tinha avançado em matéria de segurança.
Em certas zonas do Rio, a polícia e os criminosos enfrentam-se habitualmente aos tiros, para infelicidade dos habitantes, privados de segurança, impedidos de se deslocarem ou andando sempre em risco de vida.
Luciano de Lima Gonçalves, autor do estudo “Letalidade Violenta e controle ilegal do território no Rio de Janeiro” e um dos autores do mapeamento das zonas fora-da-lei, conseguiu estabelecer o local exato de cada uma das mortes violentas ocorridas no estado do Rio de Janeiro em 2016. Dos 6262 mortos, 1023 aconteceram numa dessas 843 zonas fora do controlo das autoridades.
Um polícia morto a cada dois dias
Desde o princípio do ano já morreram 97 agentes da polícia militar, a uma média de um a cada dois dias – um deles na favela do Jacarezinho, que esteve debaixo de fogo durante uma semana, depois de uma operação policial com cerca de 200 agentes para cumprir 23 mandados de detenção ter descambado para uma troca de tiros que se foi prolongando, para desespero dos moradores.
Os polícias mortos no Rio correspondem a cerca de 40% dos polícias mortos em todo o Brasil. O segundo estado com mais mortos é São Paulo, com 22 vítimas desde o início do ano. A manter-se este ritmo, o ano de 2017 pode fechar com perto de duas centenas de polícias mortos, número que faz recuar no tempo até 1994, quando 227 agentes da polícia foram mortos no Rio de Janeiro.
O ritmo de violência tem vindo a aumentar desde que o governo estadual começou a entrar em crise financeira e em 2016 já tinha subido para 142 mortos, face aos 118 do ano anterior.
Olho por olho, dente por dente
A violência contra a polícia não se pode analisar sem se perceber que, no Rio de Janeiro, “meter bala” não é uma expressão incomum no quotidiano. A polícia impõe-se pela violência no dia-a-dia e recorrer à arma para resolver as situações é um hábito. Depois de, em 2013, a violência policial ter descido para os níveis mais baixos desde 2007, registando-se 416 mortos, os números têm vindo a subir e em 2016 mais do que duplicou esse número, chegando a 920 pessoas mortas às mãos de agentes da polícia.
A este ritmo está-se a voltar a níveis de violência que não se viam há oito anos. É preciso recuar até 2009 para ter mais gente morta em casos atribuídos à violência policial – nesse ano foram 1048 mortos. Diga-se que a primeira Unidade de Polícia Pacificadora foi criada em 2008, no Morro de Santa Marta, em Bota Fogo, e o efeito começou logo a sentir- -se a partir daí na diminuição de vítimas mortais dos dois lados desta guerra urbana em que o Rio de Janeiro vive.
Segundo o G1, portal de notícias da Globo, até meados de maio já tinham sido mortas a tiro 178 pessoas em esquadras da cidade do Rio de Janeiro, um aumento de 60% em relação a igual período de 2016.
Em fevereiro deste ano, Daniel Wilkinson, diretor adjunto da divisão das Américas da Human Rights Watch, escreveu uma carta ao procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro mostrando a preocupação da ONG pelo “ciclo de violência, abuso policial e impunidade”: “Estamos particularmente preocupados com os níveis extraordinariamente elevados de homicídios cometidos pela polícia, que mais que duplicaram nos últimos três anos, chegando a 920 em 2016. Embora seja provável que muitas dessas mortes resultem do uso legítimo da força, outras são, na realidade, execuções extrajudiciais – como nós e outras organizações temos documentado em diferentes investigações.”