A árvore de ninguém que fez 13 mortos

A queda de um carvalho matou 13 pessoas no Funchal. Os populares há muito que alertavam para o perigo, a Junta pediu o corte dos plátanos, mas a Câmara garante que a árvore que caiu não estava sinalizada.

Quando todos se preparavam para o início da procissão em honra da padroeira da ilha, Nossa Senhora do Monte, uma árvore caiu junto à igreja, no Largo da Fonte, e matou treze pessoas.

O acidente aconteceu numa altura em que no local estariam mais de cem pessoas, uma vez que estas são consideradas as festas mais importantes da Madeira e, por isso, juntam gente de toda a ilha, além dos turistas para os quais o Monte é paragem obrigatória.

Na altura do caos, a reação dos moradores da freguesia e dos frequentadores do local foi imediata. Foram vários aqueles que garantiram já ter alertado para o estado débil das árvores. Ao SOL chegaram fotos que mostram cabos em volta da árvore já caída, o que vai ao encontro dos testemunhos que dizem que muitas das árvores do largo estavam em situação débil.

Domingo Perestrelo, um dos vendedores com banca montada na romaria, tem por hábito filmar as festas e transmiti-las em direto na sua página de Facebook. Não esperava era que, desta vez, o vídeo terminasse com uma tragédia. «Foi um caos, era gente a correr cada um para o seu lado», contou ao SOL. Ainda no local, o madeirense garantiu que via cabos a segurar algumas das árvores e que já lhe tinha sido dito por moradores que algumas estavam nesse estado há pelo menos 15 anos.

Carvalho, não um plátano

A presidente da Junta de Freguesia do Monte garantiu, no dia do acidente, que já tinha sido pedido o corte ou poda dos plátanos existentes no largo. Pouco antes das festas deste fim de semana, a Junta de Freguesia do Monte terá alertado as entidades regionais e locais para a situação relacionada com a queda de galhos das árvores do largo. O ofício datado de 5 de julho deste ano, a que o SOL teve acesso, informa a Câmara da preocupação «com a segurança dos munícipes e dos turistas», solicitando assim «um corte/poda dos plátanos existentes». A autarquia respondeu, numa carta que deu entrada na junta a 31 de julho, que «os plátanos no Largo da Fonte, caso se justifique, irão ser intervencionados oportunamente».

Já Paulo Cafôfo, presidente da Câmara do Funchal, garante que o que caiu foi um carvalho e não um plátano e que a árvore em questão «nunca esteve sinalizada com perigo de queda e nunca deu entrada nos serviços camarários qualquer queixa com vista à sua limpeza ou abate». Paulo Cafôfo refere-se a este carvalho com cerca de 200 anos como uma árvore com «copa verde e saudável».

Não fugindo, no entanto, às responsabilidades, a autarquia pediu uma peritagem ao carvalho, logo no dia do acidente. Peritagem essa que foi ontem suspensa por ordem do Ministério Público que ordenou ainda que a zona fosse vedada e que fosse cortada a passagem. A medida é justificada, numa nota publicada no site da Procuradoria da Comarca da Madeira, com a necessidade de «garantir a recolha das provas e assegurar a sua integridade».

Esta ordem do Ministério Público impediu que ontem fosse divulgado o relatório preliminar das peritagens, nas quais participaram técnicos escolhidos pela autarquia, decisão que gerou uma onda de críticas, tendo em conta que a própria Câmara poderá ser responsabilizada pelo acidente. No entanto, o procurador-coordenador da Comarca da Madeira, Nuno Gonçalves, explicou, em declarações à Lusa, que o Ministério Público permitiu a deslocação ao local dos técnicos indicados pelo município e pela diocese do Funchal e garantiu que os elementos por estes recolhidos «não vão ser ignorados». Mas avisou ainda que está em curso um processo de seleção e nomeação de peritos nas áreas florestal e botânica por parte do Ministério Público, tendo sido solicitada a colaboração de uma instituição universitária não sedeada na região autónoma.

Terra de ninguém

As causas da queda da árvore ainda não são conhecidas e, segundo os peritos ouvidos pelo SOL, é possível que a árvore não apresentasse, tal como defende o presidente da Câmara, qualquer sinal de fragilidade.

O geógrafo madeirense Raimundo Quintal explicou ao SOL que o mais provável é que a árvore tenha sido atacada por fungos nas raízes, o que até justificaria o facto de ter caído pela raiz. Já João Branco, presidente da Quercus, salienta que o carvalho-alvarinho – nome específico da espécie – que caiu na Madeira normalmente não é atacado por doenças vulgares, mas lembra que, no entanto, a Madeira está longe de ser o seu habitat natural, visto que a espécie é minhota.

O presidente da Quercus aponta ainda como possíveis causas para a queda desta árvore um corte de ramos que a tenha deixado desequilibrada ou até mesmo a falta de terra no local, o que pode ter deixado as raízes sem espaço para se manterem estáveis. «Mas o mais provável nestes casos», salienta, «é que tenha sido a conjugação de vários fatores».

E tal como ainda não são conhecidas as causas do acidente, também ainda não é claro quem poderá ser responsabilizado pela tragédia, uma vez que a Câmara do Funchal e a paróquia de Nossa Senhora do Monte não se entendem quanto à posse do terreno.

Segundo Paulo Cafôfo, a árvore encontrava-se num terreno que pertencia à Câmara mas que em 1959 passou para a igreja. No entanto, a paróquia do Monte já esclareceu que a parcela de terreno onde estava o carvalho é «desde tempos imemoriais» de acesso livre e público e «não é atribuída a qualquer pessoa coletiva canónica».

O esclarecimento foi feito em comunicado, pelo gabinete do Funchal da Abreu Advogados, que fala em nome da paróquia, e que garante que nunca a diocese foi alertada «para qualquer situação referente àquela parcela de terreno, nomeadamente a respeito dos cuidados a ter quanto às árvores ali existentes».

De qualquer forma, é da responsabilidade da Câmara a vistoria das árvores e a última aconteceu a 20 de Abril.

Nessa altura, os técnicos analisaram apenas os plátanos, porque, segundo a autarquia, não foi dada entrada qualquer queixa relativa aos carvalhos. «Todos os pedidos e reclamações que deram entrada nos serviços camarários, desde 2013, disseram respeito aos plátanos», explicou a autarquia, garantindo que esses têm sido limpos e podados com frequência.