O presidente norte-americano insiste em representar o papel do pugilista. Demonstrou-o no comício da noite de terça-feira em Phoenix, no Arizona, onde voltou aos mesmos ajuntamentos de campanha a que sempre parece recorrer em momentos de crise.
Lá, na pele de boxeur, atirou para todos os lados. Lançou-se contra o velho inimigo, a imprensa americana, culpando-a pela má imagem dos seus comentários no rescaldo dos motins racistas em Charlottesville; voltou a apontar o dedo aos contraprotestos “anarquistas”, dizendo, erradamente, que condenou desde o começo os “neonazis, os supremacistas brancos e o KKK” – num primeiro momento, condenou “todos os envolvidos” –; defendeu um perdão a Joe Arpagio, um alto responsável da polícia acusado de discriminação de hispânicos; criticou – nas entrelinhas – figuras da maioria republicana que o vêm criticando; insinuou o fim do acordo de livre-comércio NAFTA; e fez a ameaça mais credível da noite: “Acreditem em mim, [mesmo] que tenhamos de fechar o nosso governo, vamos construir aquele muro!”
Congelar
Quando Trump ameaça encerrar temporariamente o governo sugere, na realidade, que pode vetar as leis de despesa e do limite da dívida que têm de ser aprovadas assim que os congressistas regressarem de férias, no dia 5 de setembro. Se o presidente travar estas leis até que eles desloquem dinheiro para um muro na fronteira sul com o México, os EUA têm forçosamente de encerrar os serviços não ligados à segurança nacional. Também deixarão de pagar dívidas a outros países e a Fitch avisava esta quarta-feira que, se isso acontecer, a avaliação ao crédito americano pode cair. A data-limite para a aprovação das medidas é o início de outubro.
President Donald Trump's threat to shut down the U.S. government rattles markets https://t.co/mCZFb4CQQ9 via @ReutersTV pic.twitter.com/QvPSMOt1kA
— Reuters Top News (@Reuters) August 23, 2017
Ninguém sabe ao certo se as ameaças de Trump devem ser levadas a sério. Mas há razões para crer que um fecho temporário do governo pode estar nas cartas, mesmo que os republicanos controlem tanto a Casa Branca como o Congresso. Isto deve-se sobretudo ao facto de Donald Trump estar de costas voltadas com a liderança dos congressistas conservadores: o “New York Times” revelou na terça -feira que o presidente e Mitch McConnell – o senador que lidera a maioria – não se falam há semanas e que o último telefonema acabou num “concurso de gritos e palavrões”. “O presidente acusou McConnell de falhar na reforma da sáude. E foi ainda mais expansivo quanto àquilo que entendeu ser a recusa do líder do Senado de o proteger de investigações à Rússia.”
Crise
Trump está irado e em crise, dois fatores que, combinados, podem incentivar confrontos com a maioria republicana e o fecho do governo. Se é verdade que o presidente desafiou o bom senso na política americana ao triunfar nas eleições do ano passado, também não deixa de ser verdade que, desde os seus comentários sobre Charlottesville, a sua já baixa taxa de aprovação caiu dos 44% para os 39%, de acordo com a mais recente consulta da “Politico”. O seu próprio partido vai sugerindo internamente que se deve preparar para a candidatura em 2020 de Mike Pence – o vice-presidente – e não para a de Donald Trump. Os estrategas assim o sugerem, McConnell vai dizendo-o em privado e o “New York Times” avançava no início do mês que o próprio Pence está a preparar fundos e apoios para uma candidatura.
Trump não está somente disposto a um embate com a maioria republicana no Congresso: parece até desejá-lo. Esta quarta-feira, no Twitter, o presidente americano voltou a atacar Jeff Flake, o senador do Arizona que disputa uma corrida primária contra uma candidata da linha-dura apoiada por Trump e que critica a construção de um muro na fronteira.
Os congressistas republicanos já se mobilizaram em redor de Flake, contra Trump, e o ataque desta quarta demonstra como Congresso e Casa Branca estão divididos. Os democratas, por sua vez, podem contribuir para este embate mesmo estando em minoria, atrasando deliberadamente a aprovação das novas leis de despesa e dívida até que abandonem o possível financiamento de um muro – o mesmo que Trump prometeu na campanha que seria financiado pelo México.