Não existe uma resposta consensual no mundo académico para o aparente surto de radicalização mobilizado por grupos como o autoproclamado Estado Islâmico. Existem dezenas de teorias, mas não existe uma resposta indisputada. No essencial, há dois caminhos comuns para explicar a violência com que em anos recentes se se intensificou o espetro do terrorismo piadista. Um defende que esta violência em nome do Islão é a consequência natural de anos de políticas intervencionistas e neocolonialistas no Médio Oriente, para além das correntes islamofóbicas e de exclusão social que atingem as comunidades muçulmanas na Europa. Um outro argumenta que o radicalismo surge não de causas sociais, mas das correntes islâmicas ultraconservadoras, que vêm ganhando terreno a uma interpretação mais tolerante, moderada e pacífica.
Mas há um terceiro caminho, incomum mas audível, defendido pelo intelectual francês Olivier Roy e que parece justificar alguns dos aspetos inéditos na onda de terror jihadista dos últimos 20 anos. Como, por exemplo, o fenómeno do atacante suicida nascido no ocidente, ou pelo menos lá formado, distante dos ensinamentos islâmicos ou até da opressão frequentemente dirigida contra a comunidade, e que, de resto, aparenta não se interessar pela prática disciplinada da religião pela qual dá a sua vida até meses ou poucos anos antes de o fazer. Os irmãos Abouyaaqoub, dois dos atacantes em Barcelona, os irmãos Kouachi, que se lançaram contra o jornal “Charlie Hebdo”, ou os irmãos Abdeslam, envolvidos nos atentados de novembro em Paris, partilham estes traços.
Niilismo “Esquecemo-nos muitas vezes que o terrorismo suicida e organizações como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico são fenómenos novos no mundo islâmico e não podem ser explicados apenas pelo aumento do fundamentalismo”, escreve Olivier Roy no seu livro “Jihad e Morte”. “Devemos entender que o terrorismo não surge da radicalização do islão, mas da islamização do radicalismo”, argumenta, explicando que a chave do raciocínio reside na nova fixação dos terroristas com a sua própria morte, o que não era prática no mundo da jihad há mais de 20 anos e que é até censurável aos olhos do Islão – que mesmo reconhecendo os méritos do mártir, critica o suicídio porque afasta a morte das mãos de Deus. O próprio Estado Islâmico, argumenta, é uma instituição niilista que não está interessada numa forma prática ou negociada de instaurar o suposto califado que tão urgentemente diz defender. Os seus militantes estrangeiros são semelhantes: procuram a violência que outras vezes desagua em gangues e que está viciada numa narrativa de “heroísmo e violência moderna”. “A dimensão niilista é central”, diz Roy. “O que seduz e fascina é a ideia da revolta pura. A violência não é um meio. É um fim em si mesmo.”
Roy insiste em dizer que não exonera o Islão – pois oferece uma justificação credível para a “revolta geracional” com que associa os “novos jihadistas”. Mas o investigador francês garante que a nova estirpe de “terroristas nacionais” não se radicaliza através da leitura dos textos sagrados ou pela solidariedade com a opressão aos muçulmanos: “Os que cometem ataques na Europa não são habitantes da Faixa de Gaza, Líbia ou Afeganistão. Não são necessariamente os mais pobres, os mais humilhados ou os menos integrados. O facto de 25% dos jihadistas serem convertidos demonstra que a ligação entre os radicais e ‘o seu povo’ é também em larga medida uma construção imaginária.”