Já há solução para os distraídos que decidiram que olhar para o telemóvel é muito mais interessante do que ter os olhos no horizonte. Mas antes de apresentarmos a solução, damos a conhecer esta comunidade, que tem até um nome. Para descrever as pessoas que caminham sem deixar de prestar atenção aos telemóveis foi criada a palavra smombie (que conjuga as expressões ‘smartphone’ e ‘zombie’).
Consciente do aumento de smombies na cidade, a câmara da Amadora decidiu instalar um sistema luminoso pioneiro em Portugal, que conjuga os semáforos colocados em postes a faixas luminosas instaladas no chão. A luz varia entre o verde o vermelho, tal como no sistema tradicional, e serve principalmente para aqueles cuja posição mais comum é cabeça baixa, com os olhos no telemóvel. «O objetivo desta medida passa por evitar acidentes causados pela distração com o uso do telemóvel e de outros aparelhos eletrónicos», refere a câmara da Amadora que, para já, tem o sistema a funcionar apenas na passadeira da Rua Elias Garcia, junto ao Centro Comercial Babilónia.
A autarquia explicou ao SOL que apesar de não existir um valor total de investimento, sabem que cada instalação custa entre 2 mil e 2500 euros, consoante a largura. Isto porque, apesar desta passadeira ser, para já, caso único na cidade, equacionam implementar mais algumas nas vias principais com grande atravessamento de peões, nomeadamente a estrada da Serra da Mira, Avenida Dom Carlos I, Avenida Dom José I, Alto Maduro e Borel.
Ideia importada
Bodegraven, na Holanda, foi outra das cidades a adotar recentemente um sistema que teve na Alemanha o primeiro exemplo, quando em 2016 começaram a ser colocados sinais luminosos no chão de Colónia, Augsburg e Munique.
No início deste ano, quando os sinais luminosos começaram a ser colocados perto das escolas da cidade holandesa, Kees Oskam, vereador do município justificou a medida como «forma de contornar o que não se pode mudar», referindo-se à forma distraída com que os peões atravessam a rua.
Em Portugal, as causas dos atropelamentos não estão categorizadas mas, tal como o porta-voz da Associação Nacional de Segurança Rodoviária, Pedro Silva, explicou ao SOL, «mesmo que houvesse, dificilmente teríamos pessoas a assumir que estavam a olhar para o telemóvel na hora de atravessar a estrada».
Mesmo assim, a Prevenção Rodoviária Portuguesa, tendo presente que este tipo de distrações é uma realidade cada vez mais comum, decidiu reunir num estudo dados que mostram que 15% dos peões atravessam a estrada com os olhos postos no telemóvel.
«Já usamos este tipo de dispositivos há muito tempo, mas acredito que tenha passado a ser um problema há cerca de três anos, quando o telemóvel passou a ser um minicomputador e não um aparelho para fazer chamadas», refere ao SOL José Miguel Trigoso, presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP).
O estudo foi realizado entre os dias 10 e 23 de janeiro em Lisboa, através da observação do comportamento de 5 223 pessoas durante o atravessamento da via em passagens de peões sinalizadas e com semáforos. As distrações observadas enquanto atravessavam a estrada incluíam peões a falar com o telemóvel na mão (5,7%), a manusear o telemóvel, ou seja, envio de mensagens escritas, consulta de redes sociais ou e-mail (4,8%) e a usar auriculares/auscultadores (5,9%). A PRP concluí que 15,6% estavam envolvidos em pelo menos uma destas três atividades e que essa percentagem foi mais elevada entre os mais novos. Segundo o estudo, o telemóvel estava a ser utilizado por 28,5% dos peões com idade até 30 anos, por 17,3% dos peões de 30 e 60 anos e por 2,7% dos peões com mais de 60 anos.
A análise destes resultados permite colocar Lisboa na mesma linha que as restantes cidades europeias. Pelo menos é isso que resulta da comparação com outras cinco cidades, num outro estudo, festa vez feito pela DREKA Accident Research. Neste caso, Estocolmo é a capital europeia com maior índice de utilização de telemóvel por peões (23,5%), logo seguida de Lisboa, com os tais 15%. Segue-se Berlim, Paris e Bruxelas, com valores muito semelhantes e bastante acima dos resultados de Roma (10,2%) e Amesterdão (8,2%).
Perigo também ao volante
Não é só a andar a pé que os portugueses se distraem ao usar o telemóvel. Ao volante, chegamos ao ponto de estarmos à frente do resto da Europa. Quando pedido para recordarem comportamentos dos últimos doze meses, 45,9% admitem que falaram pelo menos uma vez com o telemóvel na mão (37,7% na EU), 60.0% falaram com sistemas mãos livres (51.1% na UE), 44.5% leram mensagens de texto ou emails (36.4% na UE) e 27.6% escreveram mensagens de texto ou emails (27.3% na UE). Num estudo divulgado pela Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), ao qual o SOL teve acesso, é possível ainda notar uma contradição entre comportamentos e a consciência dos mesmos. Os portugueses são dos que consideram todos estes atos menos aceitáveis e que mais contribuem para o aumento do risco de acidente.
Com a prova científica de que os condutores que falam ao telemóvel enquanto conduzem têm um risco quatro vezes superior de se envolverem num acidente, a PRP saiu à rua para um estudo feito com base no que via acontecer nas ruas de Lisboa.
Dos 3378 condutores observados, 7.7% estavam envolvidos em alguma atividade relacionada com a utilização do telemóvel: 1.8% iam a falar com o telemóvel na mão, 3.3% a falar em alta-voz ou usavam auriculares e 2.7% estavam a manusear o telemóvel. Quando estão parados em semáforos, a situação agrava-se: neste caso, 13.7% estavam distraídos a falar ao telemóvel na mão (1.9%), a falar em alta-voz/auriculares (5.2%) ou a manusear o telemóvel (7.3%).
Os resultados mostram ainda que são as mulheres quem mais usam telemóvel, tanto com o veículo em movimento como parado. As diferenças, segundo a PRP, são sobretudo explicadas pelas maiores percentagens de mulheres que falam ao telemóvel, tanto com ele na mão como em alta-voz/auriculares. A PRP aproveita para lembrar que a utilização de sistemas mãos-livres, apesar de ser legal, não tem vantagens significativas em relação a falar com o telemóvel na mão, uma vez que a distração cognitiva que provoca – aquela que ocorre quando um condutor está a pensar em algo não relacionado com a ação de conduzir – é semelhante à provocada por falar com o telemóvel na mão.