Em novembro do ano passado, o reencontro, num concerto de Marisa Monte com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown no Teatro Castro Alves de Salvador da Bahia, deu luz aos rumores do possível regresso dos Tribalistas.
“Foi muito poderoso. Quando rolou foi surpresa total, ninguém sabia! E quando os dois chegaram, parecia um golo do Brasil, final de Copa do Mundo, tipo pénalti”, recordou a escritora de canções e intérprete, uma das mais respeitadas do Brasil e com presença global, ao Correio da Bahia. “Sentimos que estava na hora”, reforçou Arnaldo Antunes.
Em março e abril, gravaram em segredo. No início do mês, os Tribalistas da “Velha Infância” acordaram da hibernação. E tudo pôde voltar a ser como era nos tempos modernos. Em direto para o Facebook, as páginas dos três cabecilhas da música brasileira contemporânea, destaparam quatro novas canções – “Diáspora”, “Um Só”, “Fora da Memória” e “Aliança”. A transmissão chegou a uma audiência estimada em 5,62 milhões de espetadores.
“Desde que fizemos o primeiro álbum, nunca deixámos de estar próximos, nem parámos de compor em parceria. Mas desta vez sentimos que tínhamos em mãos uma coleção de canções que soavam mais potentes quando cantadas pelos três juntos, daí surgiu o desejo de gravar um novo álbum”, respondeu Marisa Monte à pergunta dos seguidores. “Não é [a] volta dos Tribalistas, porque os Tribalistas nunca foram”, sublinhou Arnaldo Antunes.
Em 2002, os três selaram a amizade com um disco presidido pelos afetos com a unanimidade de uma maioria absoluta. Não deram entrevistas, não se apresentaram nos habituais programas de grande audiência, nem quiseram levar as canções na mala para a estrada e para os aeroportos. Há quinze anos, o tempo já era de emagrecimento da indústria e de dúvida perante o futuro, defronte do horizonte digital. Nada disso os impediu de ser o grande fenómeno de vendas transatlântico com três milhões de unidades vendidas – Brasil e Portugal, os territórios mais reativos, onde conquistaram múltiplas platinas e inspiraram modelos de supergrupos-não-supergrupos como os Humanos.
“Tribalistas é férias, não pode se tornar mais um trabalho”, contou Marisa Monte à Folha de São Paulo. Tal como no primeiro episódio, estas canções poderiam ter sido finalizadas por mão próprio nos discos de cunho pessoal. Só que “a gente achou que essas músicas ganhariam mais potência gravadas pelos três. Se um de nós gravasse “Diáspora” ia ser lindo, mas com os três é mais forte”.
Personalidade própria conquistada pelos Tribalistas ou a consequência do “do jeito que a gente toca na varanda” com a leveza de quem não corre atrás do grito do Ipiranga ou quer “fazer carreira”, mas apenas com a generosidade de quem dá o que tem. “É só vontade de mostrar estas músicas”, disse ao jornal.
Quinze anos é tempo demais para os ponteiros não avançarem. Marisa Monte reconhece-o. “O mundo mudou. Este álbum reflete-o”, refere. “A gente percebeu que essa geração mais nova é bem melhor do que a nossa, porque a gente cresceu na ditadura, onde não havia associação nenhuma, de nenhum tipo, de estudante, de bairro, de nada! Então você vê como eles já conseguem se organizar, têm mais consciência política.”
Marisa Monte e Arnaldo Antunes conviveram com os estudantes que ocuparam escolas do Rio de Janeiro e de São Paulo no ano passado, em protesto contra a organização do sistema de ensino. O olhar preocupado sobre os “refugiados e a crise de abastecimento na água” existe em “Tribalistas”, mas a missão responsável é outra. “A gente não precisa de muito. Com nosso material e poucos amigos, a gente tem tudo o que deseja”, diz. “Queremos que continue sendo férias para a gente!”, remata Carlinhos Brown.