Kim Jong-un da Coreia do Norte tomou uma decisão muito sábia e bem ponderada. A alternativa seria catastrófica e inaceitável!”. A frase é de Donald Trump, foi tweetada pelo próprio e dizia respeito a uma alegada mudança de planos do líder norte-coreano, que dias antes prometera testar, num futuro próximo, o lançamento de mísseis de médio alcance em direção ao território norte-americano de Guam, no Oceano Pacífico.
Volvidas duas semanas, não só Pyongyang não abandonou o ambicioso projeto, como ainda ensaiou um outro lançamento, igualmente provocatório, que obrigou as autoridades japonesas a instar os seus cidadãos a procurar abrigo. Um dia depois de um míssil Hwasong-12 norte-coreano ter cruzado os céus de Hokkaido – nunca um projétil militar disparado da Coreia do Norte havia sobrevoado o vizinho Japão –, antes de se despenhar no mar, a cerca de 1100 quilómetros da costa japonesa, o regime de Kim Jong-un anunciou que aquele fora apenas o “prelúdio” de uma demonstração de força que tem as bases militares americanas de Guam, e a região envolvente, no ponto de mira.
“[O lançamento de terça-feira] foi o primeiro passo de uma operação militar do Exército Popular da Coreia no Pacífico e um significativo prelúdio para conter Guam”, anunciou o próprio líder, citado pela KCNA, a agência noticiosa do regime. “É necessário continuar com os trabalhos de desenvolvimento da nossa força estratégica numa base moderna, através da realização de mais exercícios de lançamento de mísseis balísticos, com o Pacífico como objetivo”, acrescentou o neto de Kim Il-sung – o homem que concebeu a ideia do zuche, o alicerce teórico que ainda sustenta a peculiar experiência comunista da República Popular Democrática da Coreia.
Se é certo que as palavras de Kim Jong-un estão embebidas numa (enorme) boa dose da tradicional propaganda retórica norte-coreana, não é de todo impensável admitir, ainda assim, que a Coreia do Norte está efetivamente a aprimorar o seu armamento. O atual registo de 21 mísseis de pequeno e médio alcance disparados nos primeiros oito meses de 2017 sugere isso mesmo e dá força aos rumores que apontam Pyongyang como estando cada vez mais próxima de dominar a tecnologia que lhe permitirá transportar ogivas nucleares em mísseis balísticos de longo alcance.
Embora o lançamento do míssil por cima de Hokkaido – o engenho que sobrevoou o norte do Japão terá mesmo sido o quarto míssil lançado em apenas quatro dias – tenha colocado Tóquio numa situação de incontestável vulnerabilidade, a provocação de Kim Jong-un parece ter tido Washington como principal destinatário. As promessas de “fogo e fúria” e de “ataques preventivos” de Trump, as movimentações da 7ª Frota norte-americana no Mar do Japão e os mais recentes exercícios militares em conjunto com a Coreia do Sul fizeram aumentar o clima de tensão para níveis insuportáveis, e levaram Pyrongyang a subir a parada na guerra das ameaças, demonstrando que está em condições de provocar calafrios aos aliados dos EUA na região e, mais do que isso, que tem capacidade para atingir Guam. Neste sentido, o Japão não passou de uma cobaia, como assume o seu próprio ministro dos Negócios Estrangeiros, Taro Kono. “Se a Coreia do Norte tivesse disparado o míssil para sul, os EUA talvez tivessem respondido em conformidade”, sugeriu ainda o diplomata, citado pelo “Washington Post”.
Novas sanções?
Da reunião de emergência – solicitada por americanos e japoneses – de ontem à noite (madrugada desta quarta-feira em Portugal), no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Nova Iorque, resultou um condenação “veemente” do lançamento do míssil balístico sobre o Japão e dos outros três lançamentos recentes, aprovada pelos 15 membros daquele organismo, incluindo a China, o grande aliado da solitária Coreia do Norte.
Uma vez que no início do mês de agosto a ONU já tinha decidido pela imposição de sanções económicas à Coreia do Norte – que poderão implicar uma redução em quase um terço do valor anual das exportações coreanas, calculado em 3 mil milhões de dólares (pouco mais de 2,5 mil milhões de euros) – e tendo em conta que essa decisão não impediu Kim Jong-un de continuar a testar mísseis, resta saber se o Conselho de Segurança vai insistir em novas medidas de coação, ou se deixará tais pretensões para os Estados que o compõem – especialmente aqueles que têm assento permanente.
Ao “todas as opções estão em cima da mesa” do presidente Trump, somou-se ainda a voz crítica da embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, que defende que “algo de sério terá de acontecer” à Coreia do Norte. Duas reações que, à luz do plano de reforço imediato das bases americanas em Guam, no Japão e na Coreia do Sul, com bombardeiros B-52, B-2 e B-1B e caças F-35, noticiado hoje pela agência noticiosa sul-coreana Yonhap, sugerem a iminência de uma demonstração de força de Washington, que dificilmente parece encaixam com a hipótese de novas sanções económicas. “Nenhum país pode voltar a ter mísseis a sobrevoar sobre si, como os 130 milhões de japoneses tiveram”, lembrou Haley.
Do lado chinês foi igualmente prometida, pela voz do chefe da diplomacia, Wang Yi, uma “resposta necessária” ao mais recente ensaio teste norte-coreano com mísseis, mas que terá de passar obrigatoriamente pela “via pacífica e diplomática”. Uma reação unilateral está, assim, por enquanto, totalmente fora dos planos de Pequim.