Tal como Pantaleão de Nicomédia, depois conhecido por São Pantaleão, que se condenou à morte ao afirmar publicamente a sua fé cristã, também este Pantaleão Pantoja, oficial exemplar do exército peruano com um futuro brilhante, se acaba por afundar ao cumprir com brilho a missão secreta que lhe foi confiada.
Primeiro da formação, com as mais altas notas, um casamento feliz, sem vícios, Pantaleão dedica-se de alma e coração, com alta diligência militar, a essa missão clandestina de criar um serviço de prostitutas para satisfazer os desejos sexuais dos soldados colocados nas bases militares da selva amazónica.
Não só a missão é clandestina, como é mal vista pelas chefias militares da região – a ordem vem de Lima para tentar diminuir o número de violações cometidas pelos soldados, que vem subindo vertiginosamente e sem que haja castigo que ponha fim a esse aumento. Há qualquer coisa no calor da selva, no isolamento, nos dias pesados de humidade, na alimentação que faz perder a cabeça dos homens para dano das mulheres locais.
O capitão Pantaleão tem de pôr cobro a isso, mesmo que nunca tenha visitado um bordel, mesmo que esteja casado com o serviço militar e, à parte isso, só tenha olhos para a sua jovem mulher. A dedicação que coloca na sua missão é exatamente igual à que dedicaria a qualquer outra tarefa castrense que lhe fosse ordenada. Os seus relatórios são minuciosos, com descrições pormenorizadas – que incluem experimentar algumas das comidas e bebidas locais e perceber que estas aumentam a sua atividade sexual, para moléstia da sua mulher, pouco habituada a tamanha exigência diária.
Tão bom é Pantaleão que se foi condenando a si próprio pela sua eficiência, sempre com a condenação moral do capelão do exército e a posição contrariada do comandante militar da região. Essa missão amoral ordenada pelas chefias em Lima estava, desde o princípio, condenada a consumir Pantaleão nas chamas da dedicação ao serviço militar. Por mais que ao capitão lhe causasse alguma repugnância moral, nunca lhe passaria pela cabeça não cumprir essa missão da forma mais exemplar, afadigando-se em criar o mais eficiente serviço de prostitutas (perdão, visitadoras, como sempre faz questão de corrigir) para controlar os desejos incontroláveis dos valorosos soldados da pátria – ideia que enfaticamente defenderá no pequeno discurso que marca o início da experiência-piloto do serviço.
Mario Vargas Llosa garante que se inspirou em acontecimentos reais que foi recolhendo entre 1958 e 1964 nas viagens à selva peruana para contar esta história, que mistura o erotismo que tão bem cultiva, com o humor que nunca foi pendor da sua literatura. Aliás, como o próprio confessou numa entrevista: “É verdade que muitas vezes, antes de escrever ‘Pantaleão’, disse que era alérgico ao humor na literatura; pensava assim. Agora penso algo completamente o contrário: que o humor não só é uma dimensão importante da experiência humana, que não tem porque estar apartada do romance, como além disso é um manancial riquíssimo para explorar o homem e representá-lo literariamente.”
Lombardi guarda esse humor no filme e o ator peruano Salvador del Solar constrói um Pantaleão digno de Vargas Llosa, na interpretação de um homem íntegro, aprumado, militar até ao tutano, e que a missão, o serviço e a Colombiana (Angie Cepeda) acabam por transformar devagarinho ou, melhor, a quem acabam por aligeirar os vincos demasiados rígidos do uniforme.
O filme, tal como o livro, é também um retrato do poder, do conservadorismo, da moral hipócrita, do mau uso do jornalismo e da corrupção nas zonas mais remotas do interior peruano, onde importam mais as aparências, mesmo escondendo graves problemas, que as soluções eficientes que chocam a moral vigente. A violação sistemática interessa menos que um serviço de prostituição (perdão, de visitadoras) capaz de satisfazer os naturais desejos sexuais dos soldados, exacerbados pela solidão, pela comida e bebida, pelo calor e a humidade dos corpos. Perante o crime, a moral tapa os olhos que arregala face à possível solução.