João Lourenço não quer ser Gorbachov, prefere mudanças à chinesa

O sucessor de José Eduardo dos Santos como presidente de Angola diz que vai trabalhar para ser um reformador

“Reformador? Vamos trabalhar para isso, mas, claro, Gorbachov não, Deng Xiaoping, sim.” João Lourenço, candidato do MPLA à presidência de Angola e sucessor de José Eduardo dos Santos na presidência de Angola, não pretende ser um revolucionário como foi Mikhail Gorbachov, que ao introduzir medidas para reformar a União Soviética acabou por contribuir para a sua extinção. Aquele que será o novo chefe de Estado angolano prefere o exemplo chinês, onde Deng Xiaoping conseguiu transformar a economia centralizada numa economia de mercado, mantendo intacto o papel do Partido Comunista como único definidor da política da China.

Daí que, quando o jornalista da agência EFE lhe pergunta se quer ser o Gorbachov de Angola, João Lourenço tenha a resposta preparada, porque ele não quer acabar com o poder do MPLA no sistema político de Angola, pretende, isso sim, reformar a economia, para que esta possa crescer, sair da crise, trazer alguma prosperidade, e apaziguar os mais críticos. Reformar a economia, sim; reformar o sistema político, nem por isso.

“Esta mudança que se está a operar no MPLA é uma mudança segura, é uma mudança que está sendo responsavelmente conduzida”, já tinha afirmado João Lourenço no princípio do mês, durante um comício no Lubango, capital da província da Huíla. “Se o partido que está no poder é ele próprio que aparece em público dizendo vamos combater a corrupção, é mudança ou não é mudança?”, sublinhava.

No final dos anos 1970, na China, enquanto se introduziam reformas económicas para acelerar a implementação do modelo de economia de mercado, os líderes mantinham a mesma retórica política. Deng sublinhava que “o socialismo de características chinesas” visava apenas a economia porque “o socialismo não queria dizer pobreza partilhada”, João Lourenço quer agora o mesmo para Angola, introduzir grandes reformas económicas mantendo o papel central do MPLA no planeamento político do país.

“O passo do marxismo-leninismo em direção a uma democracia multipartidária ou economia de mercado começou em 1991. É um processo que não acontece da noite para o dia, nós vamos consolidá-lo e vamos respeitar as bases da economia de mercado”, explicou.

Atrair investimento estrangeiro

Tendo como objetivo “o desenvolvimento económico e social” de Angola, João Lourenço promete “trabalhar para criar um bom ambiente de negócios” e modificar a “política de vistos”, reconhecendo que esta tem sido até agora “um impedimento” nesse desiderato.

“Assumo o desafio com muita confiança apesar das dificuldades”, afirmou João Lourenço em Madrid, durante uma visita privada a Espanha. Reconhecendo que “a situação financeira é menos boa por causa da queda dos preços do petróleo”, prometeu abrir o país ao investimento estrangeiro, levar a cabo privatizações e agilizar os entraves ao funcionamento do mercado.

Como diz Carlos Rosado de Carvalho, diretor do semanário económico angolano “Expansão”, citado pelo “El País”, em Angola “criam-se dificuldades para se vender facilidades”, o que se tem manifestado na dificuldade em atrair investimento estrangeiro e até de manter o investimento angolano dentro de portas. Entre 2002 e 2015, contabilizou o Centro de Estudos e Pesquisa Científica da Universidade Católica de Angola, os empresários angolanos investiram 160 mil milhões de euros fora do país. Lourenço chegou a pedir durante a campanha aos empresários angolanos que repatriem esse dinheiro, que ajudem na diversificação da economia.

O mantra da diversificação, comum desde que a crise do preço do petróleo colocou em crise a economia demasiado dependente das exportações de crude, também é referido por João Lourenço agora. Sublinhando que o país tem outros recursos além do petróleo, o futuro presidente pretende atrair investimentos para o setor agrícola, a exploração mineira, as pescas e o turismo.

Salientou também a disponibilidade do futuro governo para abrir mão de algumas empresas do Estado. “Vamos estudar a possível privatização daquelas empresas estatais que são pesos mortos para o país, que não são rentáveis, que estão a custar muito dinheiro aos cofres do Estado”. Que empresas e em que áreas, não quis João Lourenço especificar, preferindo escudar-se num “vamos estudar caso a caso”.

Luta contra a corrupção

Para o líder do novo governo angolano, tal como o atual executivo chinês, diga-se de passagem, a luta contra a corrupção é uma prioridade. Durante a campanha, prometeu várias vezes medidas para combater a corrupção e na entrevista à EFE voltou a sublinhá-lo: “Estamos decididos a lutar essa batalha”.

“Estamos conscientes que existe no MPLA, reconhecemos, sabemos que é um dos maiores males que sofre a nossa sociedade” e, mesmo tendo em conta, que “vai ser difícil”, pretende “chegar a níveis não vamos dizer aceitáveis” de corrupção, “mas que existem a nível internacional”.

Em julho, numa entrevista coletiva dada à imprensa angolana, Lourenço falava em coragem para implementar essa importante estratégia do partido no seu mandato como presidente. “Se tivermos a coragem, a determinação de combatermos a impunidade, com certeza que conseguiremos combater a batalha da luta contra a corrupção”.

“A corrupção é um grande mal que, entre outras coisas, coloca em causa a reputação do nosso país perante a comunidade internacional”, acrescentou na altura. Uma afirmação que foi reiterando ao longo de toda a campanha, juntamente com a ideia de que é preciso introduzir a prestação de contas nas empresas e organismos do Estado.