Este ano já foram feitas mais de 2500 comunicações de desaparecimentos em Portugal. De acordo com dados da Polícia Judiciária fornecidos ao SOL, no ano passado foram registadas cerca de 4000 notificações, o que representa uma média de 11 comunicações por dia. No entanto, as autoridades afirmam, sem dar um dado específico, que mais de metade destes alertas representam reincidências.
«Estas são comunicações de desaparecimentos e não desaparecimentos – isto porque há reincidências, nomeadamente na faixa etária dos jovens entre os 12 e os 17 anos. Ou seja, estão aqui contabilizados vários alertas relacionados com apenas uma pessoa. Temos conhecimento de casos de pessoas que desaparecem de 15 em 15 dias ou todas as semanas», explicaram ao SOL responsáveis da área de investigação de desaparecimentos da Polícia Judiciária.
As mesmas fontes garantem que cerca de metade dos casos registados situa-se nesta faixa etária, tratando-se, na esmagadora maioria dos casos, de situações que são rapidamente resolvidas. «Trata-se da faixa etária onde se encontram muitos dos menores institucionalizados. No caso dos jovens, existe um aumento destas comunicações na altura da Páscoa, quando saem as notas, bem como nesta estação, altura dos festivais e dos amores de verão, em que se esquecem de voltar a casa. As comunicações aumentam também às sextas-feiras e sábados», explicam.
Existem também vários alertas relacionados com adultos entre os 30 e os 59 anos, a segunda faixa etária onde são registados mais alertas, mas os casos que envolvem idosos são mais preocupantes. «O desaparecimento de um idoso que reside numa zona rural, por exemplo, tem de ser comunicado urgentemente, pois pode terminar em algo trágico. Há mais casos de comunicações relacionadas com pessoas com idades entre os 30 e os 59 anos, mas não são tão problemáticos quanto os de pessoas mais velhas. Um indivíduo de 80 anos que se tenha perdido numa zona rural, numa noite de inverno chuvosa é mais preocupante do que os adultos».
Existem também alertas para o desaparecimento de crianças, mas, durante este ano, foram apenas registadas algumas dezenas de participações. De acordo com os mesmos responsáveis, casos como o de Madeleine McCann, que desapareceu em 2007 na Praia da Luz, e Rui Pedro, o menino que foi visto pela última vez em Lousada em 1998, são raros: «Quase a totalidade dos alertas dados em relação a crianças até aos 11 anos trata-se de raptos parentais ou situações parecidas. São casos em que um dos pais pega na criança e leva-a. São questões que têm de ser tratadas nos tribunais».
Um perfil do desaparecido
Os mesmos responsáveis explicam que, tendo em conta os dados recolhidos, dá para fazer um pequeno perfil dos alertas de desaparecimento emitidos: além de mais de metade das comunicações estarem relacionadas com jovens, cerca de 80% são de nacionalidade portuguesa e a proporção de homens e mulheres é idêntica.
Quanto às zonas de maior incidência, grande parte dos casos são registados na Grande Lisboa, seguindo-se o Grande Porto. «Os focos de crime têm a ver com a densidade populacional. No caso dos desaparecimentos, onde existem estabelecimentos de reinserção social de menores, a incidência destas situações é maior. A questão não tem a ver com a questão geográfica, mas sim com os pontos de origem e com a particularidade da faixa etária».
11 processos-crime
Quando a PJ suspeita que algo mais grave pode estar por trás de um desaparecimento, inicia-se uma investigação criminal: este ano, já foram iniciados 11 processos-crime. No entanto, isto não significa que estejamos perante 11 crimes: «Tratam-se de suspeitas e, por isso, desencadeia-se preventivamente, uma investigação criminal, que nos permite atuar de outra forma, dá-nos outra margem de manobra. Desses casos, um ou dois serão efetivamente crime, os outros acabam por ser arquivados».
As medidas cautelares de polícia permitem que, no caso de desaparecimento, sejam acionadas buscas no terreno. No entanto, assim que se inicia uma investigação criminal, podem ser utilizados meios mais específicos para chegar a uma conclusão. «Os processos-crime têm um enquadramento legal muito específico que nos permite obter prova. Estes têm de ser determinados por um magistrado, seguindo-se a legislação criminal», explicam os responsáveis. Assim que é dada autorização para avançar com uma investigação, podem ser autorizadas buscas domiciliárias, escutas, apreensão de computadores, entre outras diligências.
Tão ou mais importante que tudo isto é a realização de um perfil da pessoa desaparecida: segundo os especialistas, é necessário fazer um ‘estudo’ do indivíduo, perceber se viviam com algum problema, quais eram os seus hábitos e o que poderia fazer numa situação de desespero. «Há muita psicologia e sociologia por detrás de uma avaliação», garantem.
O mito das 24 ou 48 horas
Os responsáveis alertam para um mito que tem circulado nos últimos anos: após uma análise a todas as circunstâncias que envolvem o alegado desaparecimento de uma pessoa, os familiares e amigos devem apresentar a situação às autoridades, sem que seja necessário esperar 24 ou 48 horas.
«Se as pessoas não souberem do paradeiro de alguém próximo e esgotadas todas as hipóteses [de contacto] com amigos, familiares, hospitais, etc., devem obrigatoriamente contactar a polícia. Não há nada que diga que se deve esperar 24 ou 48 horas após o alegado desaparecimento. O que acontece é que, muitas vezes, essa é a resposta dada nas esquadras ou nos postos. Se assim for, as pessoas devem dizer que estão esgotadas todas as hipóteses e que quer fazer uma participação», sugerem.
As autoridades aconselham a população a agir «com bom senso» e a deixarem um alerta apenas numa situação que se justifique. «Há uma diferença entre estar desaparecido e estar atrasado. As pessoas devem agir com bom senso e não ir à esquadra após um atraso de umas horas».
Casos mediáticos
Vários casos mediáticos passaram por esta área de investigação da PJ antes de serem analisados por outras equipas: veja-se, por exemplo, o caso das três mulheres de nacionalidade brasileira que foram encontradas mortas num canil em Cascais, das vítimas de Francisco Leitão (conhecido como ‘Rei Ghob’) ou do cadáver encontrado numa mala de viagem em Sintra.
Esta semana, o caso do fotojornalista Pedro Palma marcou a atualidade. Palma desapareceu na quinta-feira, dia 24 de agosto, deixando o telemóvel em casa, onde vivia com a mãe e a irmã. Na sua última publicação no Facebook, deixou um vídeo de dez segundos onde aparece a ‘chuva’ da televisão, que simboliza o fim da emissão. Rapidamente surgiram teorias que davam conta de um possível suicídio.
Na passada quarta-feira, o corpo de Pedro Palma foi encontrado na bagageira do seu carro, que tinha sido detetado no dia anterior. Não apresentava indícios de agressões e, ao seu lado, tinha uma garrafa de uma bebida alcoólica. As autoridades admitem a hipótese de se tratar de um suicídio.
No entanto, um jornal de Cascais avança que a PJ está a investigar possíveis ligações de Pedro Palma com serviços de informação estrangeiros. O SOL tentou contactar a PJ para confirmar esta informação mas, até ao final desta edição, não obteve resposta.
O caso do fotojornalista não foi o único que fez correr tinta nos jornais: uma menor de 14 anos que tinha sido dada como desaparecida entregou-se às autoridades na passada quinta-feira. A jovem confessou que tinha fugido de casa no passado dia 23 de agosto. As autoridades suspeitam que a menor tenha estado este tempo com um homem mas velho.
Mas existe outro caso que preocupa mais as autoridades: a lusodescendente Maëlys de Araújo, de nove anos, desapareceu no domingo passado, por volta das 03h00 (hora local) no salão de festas onde se realizava o casamento de uma pessoa próxima da família, em Pont-de-Beauvoisin. Dois homens suspeitos de raptarem a criança foram detidos pelas autoridades francesas – eram ambos convidados do casamento.