Há quem lhe chame “ouro verde” e, pelo andar da carruagem, já faltou menos para que figure na prateleira de uma farmácia perto de si. Falamos do cânhamo, uma variedade da planta cannabis sativa – cuja espécie mais afamada do grande público é a marijuana -, cada vez mais atrativa no mega negócio da indústria farmacêutica, e que tem na China um atual superprodutor e um potencial supervendedor. Resultado dessas mesmas potencialidades são as mais de 300 patentes relacionadas com a canábis – num universo de cerca de 600, segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual – que têm o selo da investigação chinesa.
“A canábis está a começar a ser aceite na medicina ocidental e a supremacia das patentes chinesas sugere que a ciência farmacêutica está a evoluir rapidamente na China e a ultrapassar as capacidades do Ocidente. [E] a medicina chinesa está pronta para tirar proveito dessa tendência em crescimento” afirma o bioquímico e empresário canadiano Luc Duchesne, ao site InvestorIntel. “O destino está traçado: a medicina tradicional chinesa ‘ocidentalizada’ está a chegar”, vaticina.
O caminho que levará a China ao estatuto de superpotência no campo da comercialização do cânhamo para o setor farmacêutico ainda terá, no entanto, de ser largamente trilhado. A começar pela produção. Nos dias que correm, o grosso daquilo que é produzido em território chinês ainda vai diretamente para a indústria têxtil e alimentar.
Para além disso, o Partido Comunista Chinês continua a olhar com desconfiança para o produto, e a China – onde a planta é classificada como “droga ilícita” – possui hoje uma das molduras penais mais pesadas a nível mundial para quem produz, comercializa e consome canábis. Um qualquer cidadão que seja apanhado, em território chinês, na posse de 5 quilos de marijuana processada ou de 150 quilos de erva, corre sérios riscos de poder vir a ser condenado à pena de morte.
“Canábis é canábis. Por muito reduzida que seja a concentração de THC [tetrahidrocanabinol, a componente psicoativa da planta], plantações massivas podem aumentar o risco de toxicodependência e originar problemas sociais”, explica ao “South China Morning Post” o professor Yun Chunming, da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas de Hunan, que vê nas questões relacionadas com a legalização da produção o principal entrave à expansão alargada do negócio dentro e fora de portas.
Um país, dois sistemas
Como se explica então que num país que não permite a plantação de cannabis sativa, um agricultor chinês consiga cobrar 10 mil yuan (quase 1300 euros) pela colheita de um hectare da referida planta e ainda assim não ir para a cadeia? Ter à disposição mais de 9,5 milhões de metros quadrados de território ajuda bastante. Consciente do potencial do produto e instruída pela doutrina “um país, dois sistemas”, concebida nos anos 80 por Deng Xiaoping, a atual liderança chinesa acedeu a regular e legalizar a produção e comercialização do “ouro verde” em apenas duas províncias do país, onde há mais de três mil anos se cultiva o produto proibido, e onde as autoridades locais criaram o hábito de fazer vista grossa à existência de plantações clandestinas.
Heilongjiang, a nordeste, e Yunnan, a sudoeste, são hoje em dia armazéns gigantescos a céu aberto e, juntos, cultivam metade do total de cânhamo legalmente comercializado a nível mundial, de acordo com o Gabinete Nacional de Estatísticas da República Popular da China. As suas condições climatéricas extremas – particularmente em Heilongjiang, um território gelado que faz fronteira com a Rússia – ajudaram as duas províncias a tornarem-se verdadeiros laboratórios e ofereceram a cientistas e investigadores, financiados pelo Estado, a oportunidade de desenvolverem novas espécies de canábis e de testarem o seu impacto na elaboração de novas soluções farmacêuticas.
Com escritórios nos Estados Unidos, Europa, Canadá, Japão ou Israel, o Hemp Investment Group (grupo de investimento em cânhamo, em português), com sede em Pequim, é uma das empresas chinesas que olha com especial interesse para a cada vez maior abertura dos mercados nacionais e regionais à comercialização da canábis para fins medicinais. O seu presidente, Tang Xin, não tem dúvidas de que esse passo abrirá a torneira do lado chinês e arrisca mesmo numa previsão ambiciosa. “Acreditamos que em cinco anos o setor se vai tornar numa indústria de 100 mil milhões de yuans [cerca de 1,3 mil milhões de euros] na China”, profetizou, citado pelo “South China Morning Post”.
Aos investimentos já conhecidos no domínio comercial, militar, científico, espacial e diplomático, a China acrescenta agora nova entrada a pés juntos na indústria farmacêutica, com os olhos postos nas potencialidades da canábis. O sonho reconhecido de dominar o mundo passa também por aí.
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