Com o país no mapa de três multinacionais, o debate em torno de uma eventual alargamento do uso medicinal tem estado adormecido. Mas o dossiê não está esquecido. O Conselho Nacional da Política do Medicamento da Ordem dos Médicos deverá ainda este ano emitir um parecer sobre o uso de canábis para fins terapêuticos. Miguel Guimarães, bastonário dos médicos, explicou ao i que o objetivo é analisar todas as evidências sobre mais-valias clínicas e efeitos colaterais, no sentido de perceber em que circunstâncias é que o uso poderia ser positivo.
Em causa está a prescrição de marijuana que poderia ser fumada ou ingerida pelos doentes, uma vez que no caso de medicamentos à base de canabinoides não são necessárias mais medidas legislativas: a partir do momento em que os medicamentos são autorizados pelo Infarmed, podem ser prescritos pelos médicos dentro das suas indicações clínicas. Atualmente a prescrição de marijuana para fins terapêuticos já é legal em 29 estados norte-americanos. Na Alemanha, desde março que os médicos estão autorizados a prescrever canábis em situações de dor crónica ou durante tratamento oncológico com quimioterapia, depois de até aqui serem necessárias autorizações especiais. Uma das consequências tem sido a escassez de marijuana nas farmácias, uma vez que o país depende de importações.
A Organização Mundial de Saúde reconhece os efeitos terapêuticos dos canabinoides no alívio de náuseas, nomeadamente em estado avançados de cancro, mas entende que são necessários mais estudos para perceber como funciona o THC e outros canabinoides e para que se procurem melhores agentes terapêuticos.
Em destaque na informação da OMS sobre canábis permanecem os avisos sobre o uso da canábis enquanto droga, nomeadamente as consequências para a saúde, que incluem problemas cognitivos mas também motores, com os efeitos a poderem durar pelo menos 24 horas depois da ingestão de apenas 20 miligramas de THC.
A liberalização do uso recreativo tem sido vista com cautela. A posição do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) tem sido aguardar pela avaliação de experiências como a do Uruguai. João Goulão, à frente do organismo e um dos responsáveis pelo projeto de descriminalização do consumo de drogas em Portugal – que continua a ser uma referência internacional nesta área – tem alertado por exemplo que a canábis de hoje não pode ser considerada uma droga leve. Nos anos 60, tinha 3% de THC, o principal princípio ativo responsável pelos efeitos psicológicos associados à droga. Atualmente, pelas manipulações genéticas e no tipo de culturas, a taxa chega a ser de 20%.
A canábis é a droga mais consumida na União Europeia, com 23,5 milhões de utilizadores em 2015. Estima-se que 1% dos adultos europeus são consumidores diários. Em 2015, 76 mil pessoas iniciaram tratamentos devido a problemas com a canábis, um aumento de quase 80% numa década. Em Portugal, o último inquérito à população geral, feito em 2012, apontou para uma taxa de utilização de 2,3% na população, confirmando-se que em Portugal a canábis é também a droga mais consumida. Entre os jovens que participaram no Dia da Defesa Nacional em 2015, uma amostra da população com 18 anos, 22,6% tinham consumido canábis pelo menos uma vez no ano anterior.