Este pode ser considerado um exemplo da rápida globalização dos movimentos sociais na geração dos millennials. Estávamos em 2011 quando, em Toronto, no Canadá, um polícia se atreveu a dizer o que a maioria desta geração não permitiria: as mulheres deveriam evitar vestir-se como “galdérias” – sluts – para não serem vítimas de assédio sexual. O movimento SlutWalk surgiu como reação a esta declaração, por representar aquele que ainda é um discurso generalizado, o da culpabilização da vítima.
A manifestações começaram em abril daquele ano, mas depressa o movimento nascido em Toronto conseguiu unir milhares de pessoas nos pontos mais distantes do planisfério. Quem adere, aceita um manifesto que se diz contra “a cultura de violação, slut-shaming e culpabilização da vítima, ferramentas que perpetuam o controlo, crítica e policiamento dos corpos e das condutas de pessoas socialmente lidas como femininas com base em estereótipos arbitrários, machistas e opressivos, responsabilizando-as pelos crimes de que são vítimas”. Em Portugal, este grupo ganhou mais força no norte do país, e as marchas têm-se realizado no Porto. Voltam a sair à rua no próximo dia 16 de setembro.
Para Joana (nome fictício), millennial residente no Porto, este é o tipo de movimento que a ajudou a encontrar ajuda e recuperar a confiança, depois de aos 19 anos ter sido forçada por um namorado a ter relações sexuais. “Entrar na SlutWalk, estar em contacto com pessoas que querem mudar este mundo, que nunca me julgaram, que sempre me disseram ‘a culpa é dos violadores’ ajudou-me imenso. Foram várias as pessoas que me diziam que eu fui violada porque fui burra. No ano passado levei um cartaz à marcha a dizer “não merecia ter sido violada”. No final da marcha e depois, pela internet, várias pessoas vieram ter comigo para falar. Desabafámos, foi mesmo bonito e isso ajudou-me”.
A jovem do norte do país diz ter encontrado força neste movimento e nas pessoas que fazem parte deles. “Sinto que a nossa geração tem um grupo de pessoas que são mesmo bondosas, inteligentes, cheias de empatia e que ajudam mesmo os outros. Estar em contacto, especialmente com mulheres que passaram pelo mesmo que eu, ter esta entreajuda, é mesmo algo importante e lindo”
O movimento internacional defende que, ao contrário do que muita gente considera, o feminismo – movimento que defende a igualdade de géneros – “não está concluído”. No manifesto da marcha que acontecerá deste sábado a uma semana, na Praça Carlos Alberto, no Porto, lê-se que “existem ainda numerosas regras implícitas que condicionam os nossos comportamentos, prescrevendo formas de vestir, locais a frequentar e a evitar, horários interditos, necessidade absoluta de companhia, entre outras”.
Segundo os responsáveis pela marcha das “galdérias”, como se intitulam, na Invicta “todas as pessoas que se desviam destas normas e que se recusam a acatar estas restrições à sua liberdade são acusadas de provocar as violências de que sofrem. Nos espaços de diversão noturna (e a caminho deles), o assédio sexual prolifera e continua a ser desculpado e encarado com normalidade”.
Millennials portugueses Leonor Figueiredo, jovem de 25 anos e uma das responsáveis pela SlutWalk em Portugal, considera que “os jovens estão ganhar coragem de assumir as suas posições e romper com o algumas convenções assumidas: e isto acontece quer pelo lado negativo como pelo positivo”, explica.
Segundo Leonor, o lado negativo centra-se essencialmente no facto de as pessoas “machistas, homofóbicas e racistas parecerem ter cada vez mais audácia para dizer e fazer alarvidades, ainda disfarçados de democratas e agitando a bandeira da liberdade de expressão”, o que considera “uma anedota”.
E para a jovem portuense, isto não é coisa de “gente idosa, a quem já não é fácil mudar a mentalidade”. “É assustadora a quantidade de pessoas jovens que têm ideias super conservadoras sobre a liberdade sexual e de género”, diz Leonor, que ainda assim está otimista. “Se durante muito tempo o feminismo parecia coisa de meia dúzia (ainda parece um bocadinho), há cada vez mais jovens a apoiar estes movimentos e a bater de frente com os papéis de género que lhes são impostos”, conclui.
A marcha LGBT no Porto, a 1 de julho deste ano, bateu o recorde de participantes. É de esperar o mesmo na marcha das galdérias? “São marchas diferentes, a LGBT já vai com muitas edições contadas, já está mais enraizada, para além de ser organizada por múltiplas associações”, diz Leonor. A SlutWalk é organizada por pouco mais de 10 pessoas, entraram algumas novas este ano, para além de ser uma abordagem com a qual parte do movimento feminista não concorda por todos”, explica. Ainda assim, considera que o facto de serem persistentes “tem chamado muita gente”, por isso podem ser uma marcha forte. Para o futuro, há ainda hipótese de expandirem, até porque já há pessoas interessadas em organizar a iniciativa em Braga.
Na marcha de dia 16 estão em causa reivindicações como uma educação civil e escolar que promova o respeito entre pessoas de todos os géneros, etnias, orientações sexuais, classes sociais e tipos de corpo, a educação civil e escolar contra a violência nas relações e ainda o “fim da violência médica e ginecológica”.