Numa altura em que se falam de livros para meninos e meninas e em conceitos de discursos “politicamente corretos”, vem a calhar tentar perceber o que têm feito os jovens da Geração i em relação à igualdade de género. Os millennials são, como já vimos em edições anteriores, jovens que tendem a mobilizar-se pelas mais diversas causas, acreditam que podem “mudar o mundo” em que vivem e que esperam que os mais velhos ainda vão a tempo de ver o que esteve errado este tempo todo. A diferença face ao idealismo da juventude nas últimas década? Usam como nunca a internet e fazem com que campanhas locais se tornem mundiais num ápice. E são criativos na forma como as dinamizam.
Uns chamam-lhes radicais, outros tentam ridicularizar as iniciativas com etiquetas como a de “social justice warriors” – guerreiros da justiça social. A verdade é que graças à irreverência desta geração, uma denúncia acaba por espalhar-se mais rapidamente do que no passado e as causas acabam por tornar-se virais.
Segundo Ruth Milkmen, no seu estudo “Uma Nova Geração Política: Millennials e a Onda de Protesto pós-2008”, apesar das garantias em sentido em contrário, os millennials “enfrentam persistentes disparidades raciais e de género, discriminação contra as minorias sexuais e aumento da desigualdade de classes”.
De acordo com a investigadora do departamento de sociologia da City University of New York, isto leva a que divulguem as situações que os atormentam através daquela que tem sido a maior arma desta geração: a internet.
Ashley Stahl, fundadora da empresa de conteúdos “CAKE Publishing” assinalou, em 2016 – num artigo publicado na “Forbes” – que “ao contrário dos nossos pais, não vivemos pacificamente com os nossos vizinhos em becos urbanos sem saída; não sonhamos com cercas brancas de piquetes. Usamos a tecnologia para participar com o mundo caótico e diversificado que nos rodeia. Vivemos uma importante crise de direitos civis e humanitários com o próximo. A tecnologia armou-nos com conhecimento e compreensão de como as outras pessoas vivem em sociedades e classes socioeconómicas e países de todo o mundo”.
Stahl explica que esta é uma geração cada vez mais consciente das situações que os outros vivem, mesmo sendo privilegiados o suficiente para não ter passado por essas experiências. “Estamos mais conscientes da situação dos outros – amigos e estranhos – do que nunca, e esse acesso e consciência estão a moldar os nossos sistemas de crenças e escolhas de uma forma sem precedentes”.
Quando o protesto é tão natural como respirar Um artigo da escritora Katie Klabusichna, em que esta se assume como pertencente à Geração X – a que antecedeu a dos millennials – pediu em 2015 aos jovens para não pararem de lutar, já que a sua geração teria “comprado cegamente” o mito que ouvira dos pais. “O mito em que a falsa facilidade da era Clinton seria credível: trabalhar duro; ser respeitável; não fazer ondas; seguir o guião sem se questionar nada, ao contrário da forma como vocês questionam tudo”, escreveu na publicação online “The Establishment”.
Segundo a autora, “tem sido de contemplar a capacidade de os millennials se organizarem com a mesma naturalidade com que respiram”.
Se o sonho dos millennials é mudar o mundo e a forma como as outras gerações veem a organização da sociedade, Klabusichna é um bom exemplo de alguém que se rendeu à pressão desta geração. “A vossa energia e visões são inspiradores para qualquer um que tenha estado com fome de mudança”, escreveu. “Vocês têm oficialmente a atenção de todos os que não são totalmente apoiados pela cultura vigente, e prevejo que terão aliados entre a minha geração”, completa.
Da cabeça para a rua
Entre algumas das campanhas mais famosas desenhadas por millennials está a “Free the Nipple”. Começou em 2012 e rapidamente se tornou lema da luta pela igualdade de género. A sexualização do corpo feminino é um dos assuntos mais discutidos pelos millennials. Tudo começou com um projeto de Lina Esco, precisamente com este nome. O filme “Free The Nipple” saíria em 2014 e desde então a expressão tornou-se uma hashtag popular nas redes sociais. As palavras resumem a vontade de defender a liberdade das mulheres exibirem os mamilos caso assim o queiram, sem serem acusadas de crime moral, como ainda acontece em alguns estados norte-americanos ou em países como o Brasil, que não permitem que as mulheres façam “topless” na praia.
O filme resultou de mais de quatro anos de trabalho, em que a atriz americana e ativista enfrentou situações de censura e dificuldades na distruibuição, conseguindo mais tarde acabar por conquistar a IFC, distribuidora de filmes como “Boyhood” e “A vida de Adele”. “Puritanismo, dupla moral, violência, censura, igualdade e feminismo” foram algumas das palavras usadas por Lina Esco para descrever o processo numa entrevista ao “El País”, publicada em 2014. Mas o empurrão para a causa chegou de celebridades como Miley Cyrus, Rihanna e Kendall Jenner, que decidiram juntar-se ao movimento e adotaram o slogan de Esco. E o caso não é único. Na Islândia a deputada Björt Ólafsdóttir também participou em 2015 na campanha, publicando uma fotografia do seu mamilo no Instagram e incentivando jovens a sair à rua pela causa. Em Portugal, Jessica Atheyde foi uma das celebridades a tocar no assunto: “Porque é que o mamilo da mulher é uma ameaça e o do homem não?”, escreveu no Instagram.
Por cá, os mamilos prometem voltar a sair à rua na próxima semana, no Porto, num protesto contra a objetificação do corpo da mulher.