Sanções. Moscovo joga cartas tímidas

A uma sanção americana nem sempre surge um castigo russo. No jogo das punições internacionais, o Kremlin parece pensar a longo-prazo e em não cometer os mesmos erros da União Soviética

Ambos os países têm agora este número de funcionários em ambos os territóriosO número de consultados dos dois países. A Rússia fecha instalações esta semanaO vai-e-vem de sanções, contra-sanções e ameaças de novas medidas punitivas entre Estados Unidos e Rússia parece, à primeira vista, uma espiral descontrolada. Vejam-se os exemplos mais recentes. Assim que os congressistas americanos aprovaram um novo conjunto de sanções à Rússia em julho, castigando-a pelas operações de invasão eletrónica e propaganda com que tentou influenciar as eleições do ano passado, o governo russo respondeu com contra-sanções estonteantes: de uma só vez, Vladimir Putin ordenou a saída de 755 funcionários nas missões diplomáticas americanas no país. O Kremlin ordenou, para além disso, o encerramento de um retiro de férias americano nos arredores de Moscovo e o fecho de um armazém. A cartada parece pesada. Afinal, Barack Obama ordenara a retirada de apenas 35 funcionários russos e o fecho de duas instalações em dezembro de 2016, como pena pela mesma interferência. Putin exigiu o mesmo, apenas que multiplicado por mais de 20. Antes do final da última semana, Washington respondeu obrigando Moscovo a fechar três novos postos diplomáticos.

A escalada parece descontrolada, mas a realidade parece ser outra. A retirada de centenas de pessoas ao serviço dos Estados Unidos na Rússia é severa, mas afetará sobretudo funcionários russos que trabalham para os Estados Unidos em trabalhos não qualificados. O número de diplomatas americanos na Rússia é confidencial, mas não se deve reduzir substancialmente. Para além disso, o corte de 755 pessoas foi desenhado para que, doravante, ambos os países tenham o mesmo número de pessoas num e noutro lado. A resposta americana da última semana jogou com o mesmo argumento. Assim que Moscovo encerrar os três edifícios, ambos os países terão a seu cargo 445 funcionários e três consulados. “São, realmente, medidas sérias”, argumenta Dmitri Trenin, diretor no centro de Moscovo do think-tank Carnegie. “E, no entanto, Vladimir Putin não se comporta inteiramente como alguém que desistiu de uma ligação com a América.”

A razão é consensual: a economia russa não tem tanta margem de manobra para aplicar sanções aos Estados Unidos ou Europa como os seus rivais. Quando os americanos e europeus avançaram com grandes sanções económicas para castigar a anexação russa da Crimeia, Moscovo retaliou com proibições à importação de alimentos dos países aliados. Mas a União Europeia sofreu mais com os seus próprios castigos a empresas russas do que com as proibições do Kremlin. Por outro lado, nos últimos três anos o Kremlin viu a cotação do rublo cair para metade e a economia contrair – fora a inflação – uns 35% até 2015. Muito disto se deve à redução no preço do petróleo e grande parte do desastre económico russo aconteceria sem as sanções. Em todo o caso, os castigos não são de ignorar. “São certamente uma parte crucial do declínio económico na Rússia, o que explica a razão pela qual o presidente Putin tem tanta urgência em livrar-se das sanções”, explica Mitchell Orenstein, professor de Economia Política do Leste da Europa na Universidade da Pensilvânia.

Magnitsky

Moscovo sabe por experiência que não pode responder na mesma moeda. De certa maneira, as sanções americanas nunca cessaram desde que, em 1974, os Estados Unidos aprovaram a Emenda Jackson-Vanik. O documento, como muitos dos que foram aprovados nos últimos três anos, atingia sobretudo as elites russas e proibia negócios em solo americano a figuras associadas a violações dos direitos humanos. Barack Obama revogou-o passadas mais de quatro décadas, mas, quando o fez, em 2012, substituiu-a por uma lei semelhante, o Ato Magnitsky, que impede empresários russos de repatriarem as fortunas nos Estados Unidos. A Rússia respondeu então não com sanções contra a elite americana, mas interditando a adoção de crianças russas por cidadãos dos Estados Unidos.

Dmitri Trenin diz que Putin aprendeu com os erros da União Soviética. Se a corrida às armas destruiu o antigo regime, uma guerra aberta de sanções pode acabar com a nova ordem em Moscovo. Para além disso, o Kremlin sabe por estes dias quem é o verdadeiro inimigo americano e que ele não desaparecerá tão cedo. Ele está nos serviços de espionagem, no exército e no Congresso. Contra eles, Donald Trump nada consegue. E o presidente americano ainda tentou, protestando o novo rol de sanções económicas – também a UE o fez, temendo novas consequências económicas para o bloco. O Kremlin fez o melhor para não queimar as pontes com o novo líder da Casa Branca e anunciou a expulsão dos funcionários antes de a lei ter sido promulgada pelo presidente. Trata-se, argumenta Trenin, de cultivar aliados onde os há e tentar moldar um país em crise de identidade: “A União Soviética tentou lidar com os Estados Unidos como um igual, que não era, e eventualmente abandonou o palco. A Federação Russa, partindo de uma posição de fragilidade, tem de ser mais inteligente. E Putin, o judoca, sabe-o com toda a certeza.”