«A política de fronteiras abertas foi liminarmente rejeitada pelo povo americano», lembrava no início desta semana o procurador-geral norte-americano, Jeff Sessions, na hora de justificar a mais recente medida da administração Trump para travar a imigração para os Estados Unidos. Impedido pelos tribunais de aplicar integralmente o seu plano de proibição de entrada no país de cidadãos oriundos de seis países de maioria muçulmana, e bloqueado pelo Congresso norte-americano de avançar com a construção do desejado muro na fronteira com o México, Donald Trump decidiu acabar então com o programa federal Deferred Action for Childhood Arrival (DACA), dando seis meses aos congressistas para arranjarem uma solução de substituição do mesmo.
Concebido por Barack Obama, em 2012, o DACA concede uma autorização temporária de residência, trabalho e condução aos que entraram ilegalmente em território americano quando ainda eram crianças, mediante o cumprimento de uma série de requisitos, como, por exemplo, ter chegado aos EUA com menos de 16 anos, ter cumprido o ensino obrigatório, não ter cadastro ou não ser considerado uma ameaça à segurança nacional.
Os beneficiários do DACA ficaram conhecidos como dreamers (sonhadores), numa referência ao Dream Act, a proposta de lei de 2001 – nunca aprovada pelo Congresso –, que abriu caminho ao debate sobre o estatuto dos filhos dos imigrantes ilegais.
Durante o anúncio que pôs fim ao programa, na passada terça-feira, Sessions argumentou que aquele é «inconstitucional», «abusivo» e prejudica a empregabilidade de «centenas de milhares de americanos». Além disso, o responsável pela pasta da Justiça dos EUA defende que o DACA trouxe «consequências humanitárias terríveis» para a região da fronteira com o México.
Já o Presidente Trump fez questão de esclarecer que «não é a favor da punição das crianças pelas ações dos seus pais», mas lembrou que a sua missão é a de procurar «justiça económica para todos os americanos». Num comunicado divulgado pela Casa Branca, o chefe de Estado norte-americano responsabilizou igualmente o DACA pela crise humanitária a sul: «A implementação temporária do DACA, pela administração Obama, ajudou ao surgimento massivo de menores não acompanhados, oriundos da América Central, incluindo jovens que se vieram a tornar membros de gangues violentos no nosso país».
No limite, a decisão de Trump pode vir a resultar na deportação de quase 800 mil crianças que cresceram, estudaram e cumpriram serviço militar em solo norte-americano e que nunca conheceram outra residência. Esta possibilidade levou inclusivamente o antigo Presidente a vir a terreiro criticar a medida. «Sejamos claros: a decisão hoje [terça-feira] tomada não é exigida por lei. É uma decisão política e uma questão moral», escreveu Barack Obama no Facebook. «Quaisquer que sejam as preocupações ou queixas dos americanos sobre a imigração em geral, não devemos ameaçar o futuro destes jovens, que aqui estão sem culpa própria, que não apresentam qualquer ameaça e que não estão a roubar-nos nada. Atingi-los é errado (…) e cruel», acrescentou.
Além dos protestos nas ruas e das críticas dos democratas, o anúncio do fim do DACA originou algumas dúvidas sobre o real conhecimento de Trump sobre as consequências de tal decisão. Aos tweets do Presidente, sugerindo que poderia rever a decisão, caso o Congresso não encontre solução, e garantindo que os beneficiários do DACA não têm nada a temer nos próximos 6 meses – duas posições incompatíveis com as diretivas e recomendações divulgadas pelo Departamento de Segurança Interna – somam-se testemunhos de funcionários da Casa Branca que apontam nesse sentido. Ao New York Times, os referidos membros da administração revelaram que, a uma hora do anúncio da medida, o Presidente «não parecia estar totalmente a par dos detalhes sobre o passo que estava a tomar» e dava sinais de poder vir a «mudar de opinião», assim que se apercebesse do «real impacto» do mesmo.